Ecos do Estar: Arte da paz capítulo 1, por Paula Neves

A história começa aqui (antes de Luana dar conta de si). Capítulo um.

*previamente: “Pequenino prólogo”

Ahmed Aqtai/Pexels

Luana se apaixonou. E não precisa nem ser sensível para sentir a intensidade de uma paixão. Tem emoções que batem mais forte independente da sensibilidade do coração.

Pode ser uma armadilha se apaixonar quando o rapaz é doce, ainda raro na América Latina. A atriz Fernanda Torres deu uma entrevista uma vez falando sobre esses homens que possuem um lado feminino mais desenvolvido. Concordo com ela, são mais inteligentes.

Luana se apaixonou por um rapaz assim, sensível, gentil, de uma criatividade extraordinária. Extraordinária pelo simples e complexo fato de ser muito humana. Até porque, ser criativo é uma condição humana. Daí a gente pode começar a conectar os pontos e compreender o papel da arte na vida. São histórias o que os artistas contam, histórias inspiradas no que não é privilégio de nenhum. Todos sentimos. Uns mais, uns menos, mas todos sentimos. E sentimos essa gama de emoções entre o sofrer e o ter prazer. Os artistas percebem bem essas emoções e encontram um jeito de nos contar essas histórias que fazem com que a gente não se sinta tão sozinho no mundo.

A surpresa para Luana foi que ela amou demais a versão de si quando se apaixonou por Sebastião. Era uma Luana leve, engraçada, despachada, independente. Tudo que já já sabia existir dentro de si, mas que ainda não conseguia experimentar de forma plena. Era sempre por pedaços e às vezes aos pedaços. Tão despedaçada às vezes parecia ser. A luta de uma vida inteira. Porque para se tornar Luana, ela achava que precisava de uma força tão grande, como a de renascer depois de morrer. Para ela, não era assim fácil simplesmente ser. Ficou deslumbrada com a possibilidade de existir sem culpa, sem medo, leve.

Foram dez dias de magia e aos poucos o encantamento foi se evaporando. Luana começou a sentir que precisava se conter. A espontaneidade não cabia mais. Somente ser não parecia mais suficiente para sustentar aquele desejo. O cuidado que vinha através da troca e do carinho deu lugar ao cuidado que vinha dos medos dos mundos internos de Luana e de Sebastião.

Eles não conseguiram se vulnerabilizar diante um do outro, apenas se continham, se escondiam, tentando deixar fluir - e ao mesmo tempo travando - o que quer que fosse para acontecer; ali, confusos, entre o incômodo e o prazer. Um muro começou a crescer entre os dois. Para Luana era uma armadilha se apaixonar por Sebastião porque ser cuidada era tanto um deleite quanto um perigo. Qual a medida para me entregar?, pensava Luana. O risco era o de que poderia esquecer ela própria de cuidar de si. E ainda que estivesse atenta, se observando, o perigo a assombrava, porque esse perigo vinha em forma de cuidado, carinho e prazer. Era doloroso conter a entrega e pensar virou angústia.

Luana conhecia uma forma de amar: aquela em que se misturava com o outro. Ela se sentia amando e amada nesse emaranhado, muitas vezes só quando possuída pela intensidade do outro. Assim, tantas vezes se submeteu, acreditando que essa forma de se relacionar fosse amor. Mas sabia que dessa forma conhecida não dava mais para se vincular, precisava mudar, por isso se analisava enquanto experimentava com Sebastião. Estava lutando para não se enroscar nas pernas dele, daquele encaixe bom, e conseguir sustentar seu peso sobre suas próprias pernas.

Ela estava mudando de casa, de cidade, de profissão quando conheceu Sebastião. Ali em um tempo meio limbo apareceu essa paixão. Era justo esse o desafio: cuidar de si. Agora com uma pitadinha a mais de vida (emoção).

Acontece que a submissão não se manifesta apenas perante o rude. Ela engana e pode acontecer também perante o gentil. O gentil pode ser um doce disfarçado de dominante e quem tende a se submeter corre o risco de se ver - ainda que de forma paradoxal - novamente nesse papel de dependência. O “doce dominante” também se torna um vício. E enquanto vício, não há outro caminho que não o abismo e a destruição do indivíduo.

Indivíduo nesta história é aquele ou aquela que consegue dar conta de si.

Dar conta de si nesta história significa tomar a responsabilidade de se cuidar para si, se ocupar com a própria vida, segurar a própria onda, se perceber, se conhecer.

Tudo o que era leve se tornou pesado. Tudo o que era doce se tornou amargo. Tudo o que era calma se tornou acelerado. A taquicardia prevalecia; amanhecer era ansiedade. 

A liberdade de ser que Luana experimentou ao lado de Sebastião foi um vislumbre, quase um engano. Fazer o quê? Ela tentou. Achou que estava conseguindo ser diferente de antes, só que ainda não. E passou a sofrer quando se lembrava dessa frustração. Fazer o quê? Esse amor foi uma bela flor que não se realizou. O que mais tem para ser feito que não dar conta de si? Era, no fundo, o que ela precisava e queria. Ufa, ainda estou aqui, COMIGO.

Continua…


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Paula Neves

Uma cidadã do mundo, amante das artes e eterna buscadora da verdade. Bailarina, desde criança encontrou na dança a espinha dorsal de como se expressa no mundo. A partir daí, em seu caminho já foi atriz, publicou um livro infantil, trabalhou com relações comunitárias em grandes corporações e com inovação social em uma ong de design.