Estar na Pele do Kenzo: Página 07

AUTO CONHECIMENTO COLETIVO

“Nenhum homem é uma ilha,
Isolado em si mesmo; 

Cada ser humano é uma parte do continente,
Uma parte de um todo.

Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar,
A Europa ficará diminuída,
Como se fosse um promontório,
Como se fosse o solar de teus amigos,
Ou o teu próprio.

A morte de qualquer homem me diminui,
Porque sou parte da humanidade.
E por isso, não me pergunte por quem os sinos dobram;
Eles dobram por ti.”

— John Donne, Meditações VII

Em 1968, a expedição Apollo 8 partiu em direção à Lua. O “ano que não terminou” testemunhou os assassinatos de Martin Luther King Jr. e Robert F. Kennedy, a Guerra do Vietnam (bem como protestos ao redor do mundo), o lançamento do “White Album” dos Beatles e o decreto do AI-5 no Brasil.
O mundo inteiro parou para assistir o que na época era o ápice do nosso desenvolvimento científico-tecnológico. O histórico pouso na Lua, da famosa frase de Neil Armstrong “…um pequeno passo para [um] homem, um salto gigante para a humanidade”, só aconteceria um ano depois, com a expedição Apollo 11.

Após 69 horas, 8 minutos, e 16 segundos desde o seu lançamento, o Sistema de Propulsão foi acionado e queimou por quatro minutos e sete segundos, colocando a Apollo 8 em órbita lunar. Alguns segundos a mais, e eles poderiam ter caído na Lua. Alguns segundos a menos, e teriam se perdido espaço afora.

Um dos três astronautas da expedição, James Lovell, relatou suas primeiras impressões: “Certo, Houston. A Lua é essencialmente cinza, sem cor; parece gesso parisiense ou outro tipo de areia cinzenta de praia. Podemos ver muitos detalhes”. E assim, continuou a descrever o que observava.

O horário de lançamento da Apollo 8 foi escolhido especialmente para proporcionar as melhores condições de iluminação possíveis. Para documentar os achados da expedição, a tripulação levou uma câmera, que foi colocada em uma das janelas para gravar um quadro a cada segundo da Lua passando abaixo.

O encarregado de capturar essas imagens foi o astronauta William (Bill) Anders, que passou boa parte da expedição tirando o maior número de fotografias possível. Para se ter uma ideia, ao final de seis dias, eles tinham fotografado mais de 800 fotos e gravado 210 metros de filme.

Em um determinado momento, Anders viu a Terra emergindo atrás do horizonte lunar e chamou seus companheiros, enquanto tirava uma fotografia em preto e branco. Em seguida, ele pediu para Lovell lhe passar um filme colorido e casualmente disse: "Vamos virar a câmera…” 

Do alto do espaço, a cerca de 400.000 quilômetros da Terra, Anders fotografou a foto mais icônica que a espécie humana já viu: o Nascer da Terra (Earthrise).

Pela primeira vez na nossa história de 300.000 anos, olhamos coletivamente para nós mesmos. De volta em casa.

NASA/ Unsplash

Um dos astronautas disse: “Quando originalmente fomos à Lua, nosso foco total estava nela. Não estávamos pensando em olhar para a Terra. Mas agora que o fizemos, pode muito bem ter sido o motivo mais importante de termos ido”. 

O chamado “Overview Effect” (em tradução livre, Efeito Visão Panorâmica/Global) é uma mudança cognitiva da consciência que alguns astronautas relatam durante viagens espaciais, muitas vezes ao enxergarem a Terra a partir do espaço ou da superfície lunar. Há um sentimento de admiração pelo nosso planeta, uma compreensão profunda da interconexão de toda a vida e um senso renovado de responsabilidade para cuidar do meio ambiente.

Para mim, a imagem do Nascer da Terra é o maior símbolo de autoconhecimento coletivo que já existiu. Mudanças de perspectiva como essas são raras. Por isso, o impacto é tão marcante!

Em tempos de pandemias - virais, mentais e sociais, olhar para o todo nunca foi tão necessário. O mundo gira em velocidade jamais vista antes. Mal paramos para respirar, o que dirá olhar para o lado. Somos diariamente cobrados como indivíduos de um sistema que não reconhece sua inteireza como tal. Mas, somos um, e um somos. Tudo junto e misturado. Tudo ao mesmo tempo. E todos no mesmo espaço… de volta em casa.

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Kenzo Sugawara

Curioso pela profundidade da vida. A escrita para mim é um encontro, comigo mesmo e com o outro. Escrevo para me encontrar e devolver algo de bom no mundo. Nessa busca por encontros mais profundos, criei a SOU - um ponto de encontro para nos conhecermos melhor.