Vida, para que te quero? Chama pelo nome que ela vem

Até as pessoas mais tradicionais, que preferem o mesmo, sabem que o mundo mudou e não é mais o mesmo. A forma de viver mudou, as relações mudaram. E será que adianta querer ficar no conforto do desconfortável onde a vida pede mais? Diante de tantas mudanças drásticas, vale a pena pensar sobre a campanha do janeiro branco atravessado pela temática do suicídio. 

A campanha do Janeiro Branco propõe que o primeiro mês do ano, mês em que as pessoas repensam metas e objetivos de vida, seja o momento de voltar atenção para o cuidado da mente e das emoções e, visto que o suicídio se mostra como limite da vida, cabe a pergunta: o que quer matar quando quer se matar?

Amir Mohammad/ Pexels

Freud vai nos dizer que "é impossível imaginar nossa própria morte e, sempre que tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda estamos presentes como espectadores. Por isso, (...) no inconsciente cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade" (Freud, 1915/1996). Então podemos pensar que a pessoa com ideação suicida, por não saber o que é a morte, não quer morrer, possivelmente, quer finalizar o sofrimento, a angústia que lhe é da ordem do insuportável. A morte é um acontecimento genérico, todo mundo morre. A pessoa que desistiu do benefício da dúvida, de se perguntar “Calma aí, qual é a minha parte nesse latifúndio? Qual é minha marca própria?” e quer respostas prontas e completas – “Chega, não aguento mais. Eu não vou mais tentar porque sei que vai dar errado” escolhe uma posição sem amor, sem desejo e isolada.

Sim, a gente se sente estranho desde que nasceu, diferente dos animais que já tem em seu DNA o que fazer durante a vida inteira, o ser humano tem a essência vazia e ao longo da vida, conforme as experiências de modo incalculável vai contornando a própria existência. Nos tempos de hoje, por ter muitos referências, como diz Jorge Forbes (2019), as pessoas estão desbussoladas, sem norte. Esse novo movimento, por um lado, pode causar angústia de não saber o que fazer, ou outro lado, possibilita criar um estilo de vida próprio. Não dá para responder a vida por modelos, o mundo de hoje exige singularidade.

Não é difícil morrer, trabalhoso é viver, é lidar com o sentimento da diferença, do acaso, da surpresa, do detalhe, da mudança de rota... Então a pergunta não é como morrer, é como viver. Como fazer a travessia do construir um jeito único de viver? É sobre a vida que o sentimento de responsabilidade é maior.

Buarque, C. e Neto, J. Música e Trabalho: Funeral De Um Lavrador. (1966)

Casola, R. M. S. (1991). Considerações sobre o suicídio, In: R. M. S. Cassorla (coord.), Do suicídio: Estudos brasileiros (pp. 17-26). Campinas, SP: Papiros.

Forbes, J. Inconsciente e responsabilidade: psicanálise para o século XXI/ Jorge Forbes – Barueri, SP: Manole, 2021.

Forbes, J. Suicídio. GNT -programa Saia Justa - transmitido em 22/04/2009. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=U5GkEe0JVrU

Forbes, J. Velhice, para que te quero? Programa café filosófico CPFL – transmitido em 29/06/2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=B3IORTf-N_k

Freud, S. (1996k). Reflexões para os tempos de guerra e morte (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 14 pp. 281-312). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1915).


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Jéssica Magalhães 

Sempre foi curiosa quanto aos sentimento contraditório do ser humano e se questiona como que a partir dessa ambivalência as pessoas podem se beneficiar na vida.

Psicóloga e psicanalista, membro do corpo de formação em psicanálise e do núcleo de reprodução assistida humana do Instituto de Psicanálise de São Paulo.