Estar na pele da Liz: Página 01

Eu tenho tanta coisa pra compartilhar aqui, mas quero começar com um tema específico: desmame da medicação psiquiátrica. 

Esse tema é delicado e tabu. Algumas pessoas, ao longo de seu tratamento, param de tomar o remédio por conta própria, outras acham que é possível a retirada com acompanhamento médico e há ainda quem julgue estar fadado pelo resto de suas vidas mas a verdade é, será que existe uma regra engessada para isso ou será que nos moldamos as conveniências sociais? Eu me peguei pensando sobre isso durante o meu processo. 
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Vamos começar do começo! Eu faço uso de medicação controlada há 12 anos e desde então não sei o que é ter uma vida sem. Já passei por vários remédios, várias dosagens mas sempre com ele ali.

Em 2015 passei por uma separação muito dolorosa (não existe uma gostosinha né) e com isso muitos movimentos de mudança vieram. Esse foi o primeiro momento, depois de 5 anos, que eu pensei em ter uma vida sem remédio. Era como se eu quisesse me libertar disso também. Acho que inconscientemente, ele entrou no combo de coisas que eu estava deixando para trás. Como se eu estivesse relacionando ele a minha vida passada mas repito, isso não era consciente era apenas um desejo daquele momento. Desejo mesmo porque o psiquiatra disse que não era hora de pensar nisso, poderíamos cogitar sim mas “já já”. Fofo, otimista!

A terapia sempre fez parte da minha vida, em alguns momentos mais outros menos mas também sempre ali. Conforme fui amadurecendo, fui percebendo a importância de se fazer um desmame racional, consciente, sem ser por impulso e a “qualquer custo”. Eu nunca parei de tomar o remédio abruptamente pois sempre soube da seriedade do tratamento mas aconteceu de, meu médico e eu,  fazermos uma primeira tentativa (em 2018) de abaixar a dose e eu não me adaptar - obviamente eu não queria enxergar isso, tanto não queria que ele quis voltar para a dose normal e eu não aceitei. Fui super resistente, achando que era uma conquista estarmos ali e ele teve que entrar com outra medicação pra suprir o que aquela não estava dando conta kkkkk que derrota! Ou seja, não teve vitória nenhuma, mas eu estava lá me achando lindona! Durou pouco, ainda bem, porque tenho uma amiga psiquiatra que disse: "essa medicação que ele te deu é exatamente a mesma que você estava tomando. Mais fácil tomar a dose cheia da que você não quer (por puro orgulho) do que tomar um comprimido de manhã e um de noite, não acha?”. Foi aí que eu aceitei que não estava preparada pra começar essa trajetória e talvez nunca estivesse, e tudo bem! Mentira.

O desejo de tirar a medicação está totalmente relacionado com o meu desejo de ser mãe. Na minha cabeça neurótica, não é possível engravidar tomando remédios psiquiátricos. Ou melhor, é possível, mas eu vou sofrer consequências depois. Ou, é possível, mas em algum momento eu terei de trocar de remédio, como fica isso? O bebe vai ter impacto? Eu vou sofrer? Não dá. Para uma boa neurótica, não dá pra deixar desorganizado e ver o que vai dar. É muito arriscado! Vai que não dá pra arrumar a bagunça depois.

Trazendo esse tema à tona, tanto para a terapeuta quanto para o psiquiatra, eu fui entendendo os cenários reais e não os fantasiosos. Primeiro ponto: é possível engravidar tomando remédio sim, existem remédios seguros pra isso. Outro ponto, no meu caso, dá pra tirar o remédio e fazer estimulação magnética transcraniana (EMT), sendo bem seguro também. As palavras do médico foram: podemos fazer a tentativa mas pode ser que o seu organismo não aceite, e tudo bem, você não vai deixar de ser mãe por isso talquey? Hoje temos ferramentas para lidar com isso de uma forma segura. O mais importante de tudo isso pra mim: eu me senti segura, acolhida e amparada. E nós combinamos que juntos iniciaríamos - mais uma vez - o desmame no momento ideal. 

E aqui estou. Esse momento chegou! É ideal? Depende. O que seria o momento ideal? Um momento de plenitude, vivendo uma vida pacata e banal? Não, de fato não.

A vida é uma loucura pexual e é pra todo mundo. Não é só pra mim que tomo remédio, é pra minha mãe que é aposentada, pro meu sobrinho de 6 anos e pra cachorra da vizinha que convive com um gato. A vida está ai! As emoções estão ai, as dificuldades estão ai, a questão é como vamos lidar com elas. Não existe vida sem movimento, não existe movimento sem acontecimento e não existe acontecimento sem emoção. 
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Eu aceitei o desafio e vou contar minha experiência nos próximos textos!

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Liz Ferreira

É estudante de psicanálise e apaixonada por seres humanos e seus conflitos. 

Em 2020, no auge da pandemia, criou um blog onde expunha seus sentimentos e pensamentos, que nada mais era do que um exercício de saúde mental. 

Seu propósito de vida é acolher as pessoas, mostrando que tudo o que elas dizem, pensam e sentem são importantes.