Orgulho em família: desafios (e força) da parentalidade LGBTQIAPN+
Ser pai, mãe — ou qualquer outro cuidador nessa aventura de se tornar o adulto de referência para uma criança ou adolescente — é trilhar um caminho de dúvidas, descobertas, responsabilidade e, também, de muito crescimento mútuo e alegrias.
Junho é mês de celebração, reflexão e luta pelos direitos da comunidade LGBTQIAPN+. Isso me fez pensar em como estamos (ou não) permitindo que todas as pessoas exerçam sua parentalidade de maneira saudável.
Quando falamos de parentalidade LGBTQIAPN+, os obstáculos são diversos. Todos os desafios de criar e educar um filho ainda serão, infelizmente, permeados por preconceito, lacunas legais, modelos familiares pouco representados e, muitas vezes, pela necessidade de explicar ao mundo (e até de se defender dele) algo que dentro de casa já faz todo sentido.
Primeiro, é preciso ressaltar: parentalidade saudável não depende de orientação sexual, identidade de gênero ou formato familiar. Ela se constrói com presença, vínculos afetivos consistentes, limites claros e respeito às necessidades de cada membro da família. Só assim oferecemos às crianças e adolescentes um ambiente seguro e rico para desenvolverem as habilidades que precisarão na vida adulta.
Embora o Brasil já tenha avançado em temas como dupla maternidade ou dupla paternidade, o desconhecimento da legislação em serviços cotidianos — bancos, escolas, operadoras de saúde, cartórios — ainda cria pedregulhos no caminho. Munir-se de informação jurídica é um grande passo para reduzir a ansiedade dos adultos e proteger os direitos das crianças. Vale ressaltar aqui nossa responsabilidade em colaborar com a escola e demais ambientes, para promover educação inclusiva e letramento de gênero.
Além da burocracia, cada membro do casal traz sua história. Quem atravessou barreiras emocionais importantes sabe que “ser diferente” não deveria gerar juízo de valor. Ter isso bem resolvido fortalece a autoestima dos filhos: pais assombrados por fantasmas acabam transmitindo esses receios, e as crianças, expostas a esses mesmos comentários da sociedade, podem começar a reproduzir esses rótulos nas próprias relações. A fortaleza, com respeito, começa dentro de casa.
Muitos pais LGBTQIAPN+ cresceram sem ver famílias parecidas com a que hoje estão construindo; alguns inclusive lidaram com rejeição da própria família. Reconhecer essas feridas é essencial, pois elas podem aparecer como superproteção, culpa, perfeccionismo ou receio de estabelecer limites. Autoconhecimento, grupos de apoio e psicoterapia ajudam a separar a bagagem do passado das escolhas do presente.
Quando direitos estão garantidos e a história pessoal é reconhecida, alguns princípios fazem diferença:
Comunicação transparente
A melhor ferramenta contra preconceito, insensibilidade ou ignorância.
Se seu filho perguntar: “Por que meu amigo disse que preciso de um pai?”:
Valide o sentimento: “Entendo que isso pode ter te deixado confuso ou triste.”
Explique em linguagem adequada: “Existem jeitos diferentes de formar uma família; aqui em casa, duas mães cuidam muito bem de você.”
Abra espaço para novas dúvidas: “O que mais você quer saber?”
Esse ciclo — validar, explicar, checar — reduz ansiedade e reforça segurança. Vale para temas como reprodução assistida, adoção, doador anônimo ou gestação compartilhada. Quanto mais cedo as dúvidas forem esclarecidas de forma positiva e adequada à idade, menos espaço para fantasias dolorosas.
Rotina e limites consistentes
Regras claras, comunicação objetiva (mas afetuosa), validação de sentimentos, elogios e consequências previsíveis são indispensáveis. Lembre-se: palestras não funcionam com nossos filhos - modelo e consistência sempre falam mais alto.
Autenticidade e imperfeição
Não caia na armadilha de querer provar perfeição. Crianças precisam de adultos autênticos, que saibam pedir desculpas, sustentem limites sem violência e demonstrem prazer em estar junto. Isso lhes dá o ingrediente mais valioso: a sensação de serem amadas e vistas pelo que são.
Cuidar do casal e pedir ajuda
Os parceiros não precisam pensar igual, mas diferenças devem ser resolvidas longe dos filhos, evitando estresse desnecessário. Se o fardo estiver pesado, procurem apoio profissional. Pedir ajuda é sinal de cuidado, não de fraqueza.
Em resumo: direitos garantidos, história elaborada, comunicação clara, rotina segura e afeto genuíno formam a base de qualquer parentalidade saudável — inclusive a LGBTQIA+. Quando esses pilares estão firmes, a família se torna o primeiro e mais potente espaço de inclusão do mundo.
Ah, e se quiser um espaço pra continuar refletindo sobre responsabilidade e afeto na parentalidade, me encontra lá no Spotify, tenho podcast quinzenal chamado Manual para Pais Imperfeitos.
Se cuida! Pra conseguir cuidar de quem você ama.
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Erika Scandalo
Especialista em Psicologia Clínica Comportamental, produz conteúdo sobre a vida e como aproveitá-la de diferentes formas. Acredita que a felicidade é consequência de uma visão proativa sobre as dificuldades. Ser feliz é mais um olhar sobre o que se é, do que ter tudo o que se quer.
Ser pai, mãe — ou qualquer outro cuidador nessa aventura de se tornar o adulto de referência para uma criança ou adolescente — é trilhar um caminho de dúvidas, descobertas, responsabilidade e, também, de muito crescimento mútuo e alegrias.