Divas Pop e a relação com a População LGBTQIAPN+
Por que esse vínculo é tão forte e influencia na saúde mental?
Você já se perguntou por que as pessoas LGBTQIAPN+ quase sempre tem uma diva para chamar de sua? Posso adiantar que esse é, de fato, um fenômeno social comum, que vem de fatores temporais e tem ligação com a saúde mental.
Admirar, profundamente e irrestritamente, uma diva pop ou uma figura pública pode envolver coisas mais profundas do que só ter gosto pela discografia ou o trabalho artístico dessas pessoas. Essas relações têm como insumo o senso de pertencimento, identificação e o que essas artistas fazem com sua influência.
Em um mundo, onde a maioria das pessoas queer foi, historicamente, oprimida somente pelo fato de ser quem é - ou por performar outra sexualidade que não a heteronormativa - é esperado que ela busque por outras referências e representações, já que, geralmente, não consegue encontrar identificações saudáveis e acolhimento na própria família.
Há muito tempo que essa identificação com as divas pop acontece, arrisco dizer que existe uma relação com a projeção materna de boa parte da comunidade, que se sofre com o sentimento de desamparo e que foi taxada, por décadas, como “degenerados” e “imorais”. E, por essas divas representarem o poder, liberdade e coragem essas pessoas acabam por tê-las como referência. Claro que isso passa pelo filtro da indústria cultural, com consumismo e massificação dos gostos, mas não dá para descartar o quanto pessoas influentes, que falam por essa comunidade, contribuem para o desenvolvimento, acolhimento e lazer de forma direcionada, inclusiva e respeitosa.
O vislumbre de uma possibilidade de ser quem é, mesmo que através da arte de outra pessoa, é sedutor e confortável. Qual pessoa, em sofrimento e angústia socioemocional, não gostaria de se sentir parte de algo maior que o preconceito que a atravessa?
Pessoas como a Cher, Tina Turner, Aretha Franklin, Billie Holiday, Dolly Parton, Dercy Gonçalves, Hebe, Elis Regina, Maysa já pavimentavam esse lugar de poder e utilizavam de sua plataforma para dar voz a pessoas queer, mesmo que em alguns momentos de forma “tímida” somente com a sua presença e a inclusão da narrativa queer no seu meio de produção e ciclo íntimo.
Anos 80
Nesta década, o cenário da indústria cultural global passa a representar com mais audácia a população LGBTQIAPN+, com Madonna, como a grande responsável por elevar essa relação de fãs queer e diva pop a um patamar de militância, luta e representatividade. Ela contribuiu, corajosamente, em toda oportunidade de mobilização na luta contra a estigmatização e defesa da saúde física e mental da população LGBTQIAPN+ durante a epidemia de AIDS. Além de ser um símbolo importante pela liberdade sexual das mulheres na vida e na arte, Madonna é precursora em estruturar a indústria com as demandas sociais que envolvem pessoas marginalizadas, como, por exemplo, introduzindo a cultura Ballroom em suas manifestações artísticas, que sempre foram muito teatrais e abusava de uma linguagem-protesto. Desde então, a música pop nunca mais foi a mesma.
Esse vínculo onde gays, lésbicas, travestis, transsexuais e pessoas não binárias podiam se ver nas artistas, sentindo-se ouvidas, além de serem representadas nas músicas, entrevistas, shows e videoclipes, influenciou, diretamente, o comportamento e o consumo da população queer, que reafirma seu direito de existir vendo sua história ser retratada e ter sua memória respeitada enquanto grupo social.
A música pop virou uma plataforma onde somos considerados politicamente sem precisar se esconder e, claro, consumidores, já que até isso foi negado pela indústria - como podemos observar na história da revolta de Stonewall e na trajetória das pessoas transsexuais até hoje.
Hoje em dia, muitas divas pops se colocam como porta-vozes da comunidade e, melhor do que isso, pessoas queer também estão conquistando esse espaço, conscientizando as pessoas do quanto a violência e LGBTQIAPN+fobia prejudicam a saúde física e mental, cidadania e humanidade.
A Beyoncé, com o álbum RENAISSANCE, inaugura uma nova fase do pop afrocentrado e LGBTQIAPN+, revolucionando, novamente, a indústria e reivindicando gêneros que foram embranquecidos.
A Pabllo Vittar e a Gloria Groove, mesmo com todo o ódio que experimentam com as diversas “fobias” direcionadas a elas, representam essa revolução no Brasil para a nova geração. Enquanto cantoras drag queens gigantes do pop brasileiro, elas influenciam e colaboram com suas próprias vivências e relações familiares, outras pessoas queer a sonhar com a possibilidade de ser o que quiser e com conforto.
Pessoalmente falando sobre a importância que uma diva pop tem para mim, lembro como o álbum Born This Way (2011) da Lady Gaga foi impactante na forma como eu - enquanto homossexual, negro e periférico - me enxergava. Não é fácil combater as crenças disfuncionais, limitantes e fundamentalistas que nos afetam psicologicamente. A arte é uma facilitadora das nossas projeções e sonhos. Entendi com a Lady Gaga e sua campanha pelo fim do “Don’t Ask Don’Tell”, que era possível buscar outras referências para se sentir acolhido do jeito que eu era e que o futuro podia ser melhor do que eu projetava, tendo ou não apoio familiar, político e religioso.
Esse tipo de ruptura com a projeção do que é representar família e não se sentir parte do objetivo comum socialmente falando, vulnerabiliza nossas formas de existir, invalida nossa humanidade e atravessa nossa afetividade, fazendo com que a saúde mental da população LGBTQIAP+ seja consumida. Por isso, é tão importante a representação na arte, na cultura e na sociedade, afinal isso é memória, dignidade e direciona as pessoas nesse espectro de diversidade para uma posição social igualitária e saudável.
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João Vitor Borges
Psicólogo Clínico e Social. Escreve textos e reflexões gerais com ênfase em comportamento social e saúde mental
Existem histórias que começam antes mesmo do primeiro encontro. Histórias que se escrevem nas faltas, nos vazios, nas tentativas de se reconstruir depois do amor que não deu certo. Estar à Procura é sobre isso: relatos de quem, de uma maneira ou de outra, busca aquela parte que está faltando — e tenta preencher o vazio que machuca.