Saúde mental na perspectiva sociológica: qual o mal-estar dessa civilização?

Para a sociologia, basicamente o que somos pode ser definido pelo que, quando, com quem e onde vivemos. O ser social atribui sentido à existência e forma características da personalidade de uma pessoa, além de se debruçar em como esse conjunto de fatores formam a sociedade que exerce forte influência cultural e política na população, principalmente, no âmbito dos costumes, valores, desejos, projeções e pensamentos. 

Foto: Taylor Deas-Melesh / Unsplash

A nossa relação com o consumo é completamente atravessada pelo capitalismo, claro, relação com consumo existe em qualquer sistema, mas a forma como acumulamos e damos sentido a coisas desnecessárias é uma característica fundamental para a sobrevivência desse sistema que impera em nosso cotidiano. Hoje em dia, por exemplo, estamos completamente envolvidos com as telas e com a produção desenfreada de conteúdo na internet e a forma como somos influenciados nessas plataformas passa pelo funcionamento dos algoritmos digitais - sempre atentos aos nossos desejos e empurrando propagandas que consumimos sem nenhuma chance de escolher se queremos ou não ver - o que vai afetando e distorcendo a forma como nos enxergamos úteis, felizes, realizados e/ou satisfeitos.  

A relação com o trabalho nesse contexto do capital também é distorcida, em vista de que, além dos preços inflacionados, somos forçados a desejar cada vez mais coisas que não precisamos, encurtando a renda de quem tem menos e concentrando de quem tem mais, clássico. Claro que, para a sociologia, essa conversa é antiga, entretanto nunca fomos tão vulneráveis ao consumo desenfreado e a cultura do ódio à falta de posse. Levando em conta que toda distorção deixa danos consideráveis à saúde mental, não é difícil dizer que esse é um grande problema dessa geração.  

É justamente essa influência consumista, arrítmica, descartável, modista, intensa, que nos impacta de forma picotada, além de provocar gatilhos em nós, podendo nos deixar com o sentimento de insuficiência, frustração e ansiedade. A exploração irrestrita da nossa força de trabalho, a falta de pertencimento e segurança, o consumo exagerado e sem filtro de informações distorcidas, a ausência do poder público em setores essenciais para a população, indicam a fonte do mal-estar dessa nova civilização, que na verdade só ressignificou os males ansiosos da geração anterior só que com a potencialização da tecnologia. 

Sociologicamente, eu diria que saúde mental existe somente quando se tem acesso, conforto, ausência de angústia social, um cidadão ou cidadã com oportunidade de viver uma vida digna, minimamente saudável no que se refere a moradia, educação, alimentação, higiene e sociabilização. Não significa que não possam ter desafios e dificuldades, mas que minimamente as pessoas possam sentir que, socialmente, elas têm a chance de superá-los.

Não existe a possibilidade para a sociologia, assim como para qualquer área de humanidades, entender a saúde mental dissociada dos direitos humanos e, também, não considerar a relação entre saúde e desigualdade social, racismo, lgbtqiap+ fobia, etarismo, exclusão, machismo, xenofobia, preconceito e falta de renda. Tudo está diretamente ligado, o ser humano é biopsicossocial e, ser socialmente saudável, se sentir aceito e pertencente a uma comunidade faz parte desse conceito. Saúde mental é integral, e é um direito que se conquista socialmente. 




***

João Vitor Borges

Psicólogo Clínico e Social. Escreve textos e reflexões gerais com ênfase em comportamento social e saúde mental.