A importância do cuidado da saúde mental dos líderes

Os temas propostos pelo Instituto Bem do Estar são riquíssimas oportunidades de reflexão. O que posso dizer que já não tenha sido dito, quais questionamentos fazer sobre o tema, no intuito de plantar alguma nova semente que contribua para janeiros “brancos” menos cinza chumbo?!

Foto: Amy Hirschi / Unsplash

Apreciando os fogos de artifício pipocando e colorindo o céu nos primeiros minutos de janeiro, pensei no exercício da liderança e sua capacidade de se espalhar imprimindo o seu tom e modificar tudo ao seu redor. Poucos dias antes, tinha assistido a uma matéria sobre o presidente de um país informando a um país vizinho, que uma área considerável de seu território deixaria de ser sua, instaurando a ameaça de invasão e supressão da identidade da população invadida.

A experiência da liderança implica no exercício do poder. O poder nas organizações tende a ser confiado a quem domina um certo campo do conhecimento, demonstra um conjunto de habilidades, credibilidade e reputação. É esperado considerar tais elementos como condições básicas e necessárias, porém não me parece inteligente pressupor que sejam suficientes para o exercício do poder conferido a um cargo de liderança.

A saúde mental do líder é tão ou mais importante quanto o domínio de técnicas e da produtividade na geração de negócios.

É dela que o indivíduo nessa posição e de todos ao seu redor dependem, para que o poder seja exercido de maneira criativa, próspera, corajosa, na direção das mudanças necessárias ao desenvolvimento. Liderar é lidar diariamente com a complexidade, com a dialética. É forjar novas respostas com base nas circunstâncias. Analisar prós e contras e escolher direções a tomar. Influenciar comportamentos. Apontar tendências.

Nem tudo é objetivo ou tangível. Considero também a imaginação e a intuição como atributos de um líder. Exercer liderança exige confiança em si e no outro para ultrapassar tempestades, mediar conflitos, instaurar o hábito da ponderação. Me pergunto como isso seria possível sem uma preocupação genuína e preventiva com a saúde da mente do líder.

A ausência desse cuidado é responsável, ao menos em parte, por disfunções tais como a polarização e inexistência de autocrítica, apoiadas na submissão e/ou idealização, que levam ao rebaixamento de consciência dos liderados*, cujas consequências conhecemos bem. (*ainda que o conceito de liderado não faça qualquer sentido no caso de renúncia à visão crítica e consciente).

Em um momento em que iniciativas ESG ganham força no ambiente organizacional, graças a lideranças que respondem pelo impacto gerado dentro e além de seus muros, o cuidado com a saúde da mente do líder constitui um compromisso individual e organizacional. Com isso quero apontar para iniciativas voltadas à prevenção e acolhimento de crises individuais, cujo caminho de institucionalização temos acompanhado nos últimos anos.

No entanto, incrementar o orçamento da área de Pessoas para custear o que recentemente ouvi ser referido como “vale terapia”, obviamente não resolve. Essa maneira de se referir já evidencia a falta de confiança e baixo índice de adesão a algo com grande potencial de transformação individual e coletiva. Um tempo depois, chega-se à conclusão de que “isso aí custa caro e não emplacou, vamos cortar do orçamento”.

Quando as pontas estão soltas, a inércia prevalece. O ciclo vicioso toma espaço do virtuoso. O bem-estar como reflexo de saúde da mente, requer um dia a dia saudável, com os altos e baixos inerentes à vida, que por sua vez está ligado significativamente à qualidade das interações entre os participantes de um grupo.

Nesse sentido, a Cultura Organizacional, com seus valores e sistemas de cultivo (gestão estratégica de pessoas), que se importa com a saúde da mente dos líderes consolida iniciativas que evidenciam: confiança na capacidade de quem ocupa um cargo de liderança, envolvimento com seu desenvolvimento, respeito ao processo de alinhamento de uma pessoa às expectativas e julgamentos externos. Um exemplo de como fazer: membros da diretoria, dos conselhos deliberativos ou consultivos atuando como mentores dos líderes, sejam os recém promovidos ou os recém-contratados, independentemente da experiência anterior, em parceria com integrantes da área de Pessoas.

O posicionamento institucional de valorização do aprendizado mútuo, traz enriquecimento da saúde mental nas organizações.

Pode-se ter os melhores sistemas e plataformas de IA do mundo, a escuta interessada em via de mão dupla é um investimento com retorno exponencial. Do contrário, continuaremos a ver talentos declinando convites para ocuparem cargos de poder ou optando por voos solos, deixando o espaço aberto para líderes com comportamento surdo de invasor, que nada constroem até que alcancem seus interesses e sigam para outras paragens. Enquanto isso, permaneceremos engajados em arar a terra e cultivar sementes que levem a janeiros cada vez mais “brancos”.

***

Marcia Moura

Psicóloga, curiosa por diferentes saberes e perspectivas, tem dificuldade de responder sucintamente à pergunta “o que você faz?”. Interessada por pessoas, que são um mundo que se revela a cada encontro e transformam a quem se deixa afetar. Gosta de pensar junto, criar e realizar junto, de ser par, ser parte. Há muito se dedica a cultivar sementes, sempre com a convicção de que irão, cada uma a seu tempo e no tempo possível, viver e expressar sua singularidade.