Estar na Pele da Adriana: Página 19

CURA


Tive uma infância memorável. Minha definição mais próxima seria, como o título do filme  Girl, interrupted, embora não tenha conexão direta com o mesmo. 

Por conta da morte trágica do meu pai aos 11 anos, a infância foi se tornando cinza. 

Conheci a morte, tão definitiva e cruel.

Quando adultos, seu encontro nos faz questionar valores profundos, mas aos olhos de uma criança, a dor lancinante apenas latejava, sem explicação. 

E essa dor foi se transformando em um redemoinho. Seu combustível de fúria e revolta, me arrebatou.

A depressão é um perigo, pois nos desanima a tentar uma rota de fuga. É um pseudo casulo que nos traz a ilusão de acolhimento e proteção, como uma teia que nos aprisiona e suga nossa vontade de viver.   

Para sobreviver a tanta dor, fui reprimindo-a e construindo uma armadura de proteção, estrutura feita de ira e agressividade. 

Durante a caminhada dessa batalha, logo adiante reconheci meu inimigo.

O dragão da dor que cuspia o fogo da autodestruição, da vitimização e da auto estima, me aguardavam em posição de ataque. 

E nesse combate diário já via logo mais adiante, a adolescência tão turbulenta.  

Hoje, atingindo a maturidade, me senti forte o suficiente para me desnudar dessa armadura.

E novamente, parti para a guerra, dessa vez despojada de tudo, com a cara e a coragem.

Confesso que algumas vezes ganhei, e outras perdi. 

Mas, o tempo, sempre rei, nos presenteia com sabedoria através do envelhecer.

E continuei me alimentando ferozmente desse conhecer, da fé, e principalmente do amor, proveniente da família e dos estimados amigos. 

Me tornei mais forte. Fazem parte da minha força também, as cicatrizes dessa guerra.

Confesso que uma batalha sem armaduras à princípio me aterrorizou. 

Mas de repente, percebi que não estava só.

Ao olhar para trás, vi um pequeno exército que se aproximava. 

Eram meus ancestrais, familiares, amigos, pessoas de fé. 

Guerreiros forjados em suas lutas pessoais, mulheres e homens que com sabedoria, me orientavam no manejo dos golpes, e me davam forças para me levantar a cada duro impacto. 

A boa notícia é que o dragão também sofreu com o advento do tempo, mas ao contrário de mim, foi se enfraquecendo. 

Meus duros golpes contra ele ao longo dos anos afinal não foram em vão.   

E na última batalha, ele sucumbiu. 

Ergui o troféu da cura com sentimento de alegria e plenitude. 

Honrei meus ancestrais, minha família, meus tão queridos amigos. 

Mas honrei também meu inimigo, ele fez parte de mim. 

A parte do eu que morreu, para que eu pudesse renascer mais forte.

***

Adriana Katsutani Lerner

Paulistana miscigenada, Comunicadora, ex Marqueteira, tia do Dani, do Pedro e do Vini. Ávida por qualquer tipo de conhecimento, qualquer tipo de cachorro e qualquer marca de café. Ama viajar mesmo que seja somente através dos livros. Valoriza uma boa música, cinema, bate papo, ou seja, as coisas mais simples da vida.