Estar na Pele da Bruna

Página 1

Há um pouco mais de 11 anos eu tive não o primeiro, mas talvez o mais grotesco contato com a capacidade humana de manipular fingir e mentir. Eu tinha pegado no flagra um namorado na cama com uma outra mulher. Me lembro até hoje da reação de pessoas próximas quando contei o que tinha acontecido: “O fulano? Aquele banana?”. Esse é o mais maluco da história. Eu não fui a única que não consegui enxergar a realidade e o tanto fingimento que aquele homem era capaz.

Depois de mais 5 anos de cura de feridas e me esconder atrás de relacionamentos superficiais e sem a menor intenção de me abrir novamente, eu tive que revisitar de forma mais profunda os conceitos de amor próprio e auto estima e desmistificar os romances mamão com açúcar absolutamente tóxicos de que garota salva o garoto problema.

Não tinha como eu me apaixonar. Eu tinha certeza. Passei 5 anos me certificando disso. No entanto, em menos de 6 meses depois que eu o conheci eu estava casada. 2 anos depois eu estaria grávida. E menos de um ano depois de meu filho nascer eu seria traída e enforcada dentro da minha própria casa.

Não tinha sido a primeira violência. Nem a primeira agressão. A Bruna que um dia eu fui, normalmente, descrita por alegre e otimista, já se achava reclamona, chata, sem luz, sem brilho. Nem eu sei dizer ainda como eu, justo eu, no auge da minha soberba e arrogância me permitir viver um relacionamento abusivo.

Ele conseguiu fazer eu mudar mais de 35 anos de certezas sobre quem era. Ele dizia que as pessoas estavam erradas sobre mim. Que só ele me conhecia de verdade. E no começo quando ele dizia isso, era pra dizer coisas bonitas sobre mim. Especiais. No final, era pra dizer coisas horríveis. E eu acreditei em muitas deles. Desacreditando, mas acreditando. Eu me apaguei a uma expectativa de felicidade e a criação de uma realidade paralela na minha cabeça por orgulho, medo, excesso de romantismo tóxico.

E dois anos depois, de achar que iria morrer no sofá da minha casa. De passar noites com crises de pânico e ansiedade. De ter que parar de ler qualquer notícia minimamente violenta para evitar gatilhos. De me culpar. De me agredir. De fugir de mim mesma. Eu me reconstruí.

E não foi o príncipe no cavalo branco que me resgatou da torre e matou o dragão. Nem um garoto popular que salvou a garota problema. Foi autoconhecimento. Reconstrução. Terapia. E um amor infinito. O único amor verdadeiro que existe. Um filho.

***

Bruna Ferreira

Advogada de formação, hoje gerente de projetos em tecnologia (onde os prazos são curtos e os cafés longos). Mãe do Luca — especialista em noites mal dormidas e amor incondicional. Sobrevivente de violência doméstica, transformando dor em força e ajudando outras mulheres a fazerem o mesmo. Sempre em busca de evolução (e umas horinhas de sono também).

Instituto Bem do Estar

Queremos gerar conhecimento aplicável sobre a saúde da mente


https://www.bemdoestar.org/
Anterior
Anterior

Estar na Pele da Bruna

Próximo
Próximo

A panela de pressão e a cobra…