A panela de pressão e a cobra…
QUANDO A DOR PEDE PASSAGEM...
Eu tive um pesadelo horrível e muito bizarro! Só de pensar, meu coração dispara novamente.
Você me parece assustada...
Muito! Mas deixa eu te contar esse sonho horrível: eu estava na cozinha de casa, na frente do fogão, com a panela de pressão apitando. Só que a panela ficava "dançando" em cima da boca do fogo! Pode isso? Eu achei super estranho e resolvi abrir, mesmo com a pressão. O incrível é que consegui abrir um pouquinho e, acredita? Vi a cabeça de uma cobra horrível na beiradinha da panela! Cheguei a ver alguns dentes super afiados! Na hora, tampei a panela de novo o mais rápido possível, e ela, a panela, continuou dançando.
No sonho, fiquei tentando entender como aquela cobra conseguia sobreviver ali, fechada e com toda aquela pressão. Acordei na mesma hora, com o coração aos saltos.
(Silêncio.)
Você diz que sonhou com uma panela de pressão... O que vem à sua mente ao pensar numa panela de pressão?
Perigo. Muito perigo, principalmente porque a panela estava apitando...
Perigo... Essa palavra traz algo em seu pensamento?
Perigo da vida. A vida é um grande perigo, e tudo pode acontecer a qualquer momento.
Acontecer a qualquer momento...
Sim. Coisas ruins acontecem de repente e, muitas vezes, sorrateiramente...
Sorrateiramente? Pode me dar um exemplo, por favor?
Sim. Sorrateiro como as cobras. Elas aparecem sorrateiramente e dão o bote. Parece que a vida também é assim. A gente nunca sabe, né?
Nunca sabe o quê? Pode esclarecer, por favor?
Ué, quando as coisas ruins vão acontecer. É sempre uma pressão. Como quando meu pai morreu, por exemplo...
Pressão e perda do seu pai. Como foi para você viver essa perda?
Foi uma pressão inimaginável. A sensação que eu tenho é que a vida vai passando, e algo horrível pode acontecer de novo. Vivo em sobressaltos. Basta uma ligação de um amigo para eu já achar que vem notícia ruim de novo.
Como quando seu pai morreu, por exemplo...
Sim.
(Hum... Silêncio.)E se você pudesse deixar a cobra sair...?
Nem me fala... Eu nunca deixaria essa cobra sair, mas eu sei que ela está lá, viva, me ameaçando o tempo todo. Dá vontade de chorar... Acho que, no fundo, eu tenho medo da vida.
É como se a vida fosse uma panela de pressão eterna, com uma cobra escondida, pronta para atacar sem aviso.
E o mais doido é que eu me sinto tão feliz, tão saudável... Nunca imaginei que pudesse ter medo da vida assim, numa pressão constante. Me acho tão calma e cheia de coragem...
Nossa... agora faz sentido: eu tenho muita enxaqueca e os médicos não acham nenhum problema físico. Talvez minha dor de cabeça seja isso — a sensação de viver dentro de uma panela de pressão, esperando que algo ruim aconteça do nada.
Nem sabia que carregava esses sentimentos... E toda vez que sinto que tem algum perigo chegando — mesmo quando nem existe perigo de verdade e é só da minha cabeça —, a dor vem. Caramba...
Às vezes, a gente sente medos, dores, e nem faz ideia de onde eles vêm, né? Muitas vezes, as raízes desses medos e dores ficam escondidas, fora da nossa consciência — o que Freud chamou de “inconsciente”.
E foi justamente diante das nossas dores que Freud trouxe para a gente uma ferramenta poderosa: a palavra. É falando que conseguimos aliviar o que pesa, desenterrar traumas e chegar àquelas partes mais escondidas da nossa história — aquelas que nem sabíamos que estavam lá, bem trancadas.
A palavra funciona como um bálsamo: cicatriza, revela o que estava abafado, sem nem percebermos. E sabe o que é melhor? Ainda tem mais!
Para alcançarmos o inconsciente, na genialidade de Freud, nasceu o revolucionário método da "Associação Livre", onde aquele que fala é encorajado a liberar todos os pensamentos, sem quaisquer restrições.
Nessa técnica fascinante, o paciente explora sua mente com palavras, silêncios intrigantes e até contradições aparentes.
A panela de pressão, para a nossa amiga que conta o sonho neste texto, é uma metáfora do medo existencial. A cobra é a imagem do medo em si — que pode surgir com notícias e acontecimentos ruins.
Tudo isso, ao estar associando livremente, leva à questão da enxaqueca, representando a pressão da vida.
Olhar para o que está oculto no nosso inconsciente é um baita desafio.
Você vê uma panela de pressão? Como é a sua panela? Está aberta ou fechada? Quieta ou chiando? De que cor ela é? Onde ela está? Tem algo — ou coisas — lá dentro? Você quer abrir a panela ou deixá-la fechada?
Reconhecer nossas dores machuca, sim — mas dar nome a elas, acolhê-las, escutá-las e compreendê-las é profundamente libertador!
É como soltar pesos antigos que carregávamos sem perceber... E o alívio é tão grande que parece até que o corpo fica mais leve...
E a alma passa a respirar com mais suavidade...
Beijos recheados de luz e aprendendo a respirar de forma mais leve.
***
Sandra Marcondes
Psicanalista, advogada e com a esperança sempre carregada no coração!
Às vezes, a gente sente medos, dores, e nem faz ideia de onde eles vêm, né? Muitas vezes, as raízes desses medos e dores ficam escondidas, fora da nossa consciência — o que Freud chamou de “inconsciente”.