Homossexualidade no DSM e na lei brasileira
No ano de 1977, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a compreender a homossexualidade, chamada então de “homossexualismo”, como uma doença mental, portanto, passível de tratamento e cura. Foi somente em 17 de maio 1990, marcado então como Dia Internacional contra a Homofobia, que o órgão retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID).
No caso do Brasil, a orientação sexual foi retirada da listagem de doenças antes da OMS. Em 1981, o grupo Gay da Bahia começou a liderar uma campanha nacional direcionada ao Ministério da Saúde para que o código 302.0 da Classificação Internacional de Doenças (CID), que incluía a homossexualidade como “desvio e transtorno sexual”, não fosse mais adotado pelo ministério. Em 1985, o Conselho Federal de Medicina passou a classificação da homossexualidade sob o código 206.9 com a denominação de “outras circunstâncias psicossociais”, mas não mais como um diagnóstico médico.
Em 1993, na cidade de Cajamar, interior do Estado de São Paulo, aconteceu o VII Encontro Brasileiro de Lésbicas e Homossexuais. Na época, havia debates sobre a Constituinte que iria introduzir alterações na Constituição brasileira, pois existia a intenção, nas resoluções do encontro, de apresentar uma reforma da Carta Magna de 1988: a inserção de “orientação sexual” no artigo da Constituição que aborda os direitos dos cidadãos. Em 1989, passou a vigorar a Lei 7.716 na qual são enquadrados como crime a “discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Em 2019, a lei de 1989 foi enriquecida com o reconhecimento de crimes de discriminação também “identidade de gênero e/ou orientação sexual”.
Apesar das conquistas, nesses quase 20 anos de hiato, foram muitas as tentativas na esfera pública de discriminar as formas de identidade de gênero e sexualidade, em uma tentativa de tirá-las da igualdade e paridade diante da lei. Por exemplo, em 2013, o pastor e deputado Marco Feliciano tornou-se presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara. No ano anterior, o pastor e deputado afirmou no Congresso Internacional de Missões Gideões, um tradicional encontro evangélico, que “A aids é o câncer gay”; em 2011, ele usou o Twitter (X) para declarar que “Africanos descendem de ancestrais amaldiçoados por Noé”.
Sob apoio de Feliciano, em 2011, outro pastor e deputado, João Campos (PSDB) – que presidiu a Frente Parlamentar Evangélica –, apresentou o projeto de decreto legislativo PDC 234/11*, conhecido popularmente como “cura gay”, que consistia em suspender a regulamentação do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que instituía a abolição da homossexualidade como condição patológica, portanto não passível de tratamento dessa natureza. De acordo com o projeto, os profissionais voltariam à prática de terapias que orientassem pacientes homossexuais para a heterossexualidade. Um trecho do projeto:
“Este Projeto de Decreto Legislativo tem como objetivo sustar a aplicação do parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual. Tem o referido dispositivo o seguinte teor:
‘Resolução nº 1/1999 Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4º - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.’
O Conselho Federal de Psicologia, ao restringir o trabalho dos profissionais e o direito da pessoa de receber orientação profissional, por intermédio do questionado ato normativo, extrapolou o seu poder regulamentar.”
Portanto, o projeto do pastor e deputado buscava desautorizar o Conselho Federal de Psicologia, acusando-o de extrapolar a regulamentação de profissionais sob sua fiscalização, afirmando nos trechos seguintes que essa norma do CFP “usurpou a competência do Poder Legislativo”.
A busca de alguns grupos evangélicos pela cura de homossexuais e outras identidades de gênero e de expressão da sexualidade não é uma exclusividade brasileira. De qualquer forma, em 2019, o Conselho Federal de Psicologia lançou o livro Tentativas de Aniquilamento de Subjetividades LGBTI**, que retrata as histórias de algumas pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais que sofreram diversas formas de discriminação e também que foram submetidas a tratamento de conversão de suas sexualidades; segundo a obra, “caracterizando possíveis falhas éticas, justamente, pelas evidências de contraposição ao Código de Ética Profissional do Psicólogo e a resoluções do CFP”.
DSM é a sigla para “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders”, que em português foi nomeado como Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Desde sua criação, em 1952, já foram cinco edições e atualizações, sendo a mais recente em 2013. O manual é utilizado por determinados profissionais da área da saúde mental, para critérios, diagnósticos e tratamentos dos chamados “transtornos mentais”. Importante dizer que são critérios e conceitos criados pela Associação Americana de Psiquiatria, e hoje em dia existem diversas questões no entorno do DSM, sobretudo sua constante ampliação e expansão nos diagnósticos e nas patologizações do psiquismo; a primeira edição continha aproximadamente 150 páginas e a última edição possui cerca de mil páginas.
* www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=505415
**https://site.cfp.org.br/publicacao/tentativas-de-aniquilamento-de-subjetividades-lgbtis/
Este conteúdo faz parte do “capítulo 8 - Preconceito e tabus” do livro “Sexualidade e Saúde da Mente, disponível gratuitamente em www.nozinteligencia.com.br/sexualidadeesaudedamente
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