Amor é laço, não nó! - Quando o amor sufoca...

– Amor, vou chegar em casa um pouquinho mais tarde, porque depois do trabalho vou jogar bola com os amigos e, depois, tomar um suco, jogar conversa fora e relaxar. Tô precisando. Trabalhei muito hoje.

– Você não gosta mais de mim mesmo... Vou ter que ficar sozinha em casa, sem você. Isso não é justo! Você não me dá mais atenção.

– Como assim? Eu jogo bola uma vez por semana e, às vezes, quando saio tarde do trabalho, só consigo jogar a cada quinze dias.

– Mas você é meu parceiro! Tem que estar comigo. Eu não vivo sem você e você sabe muito bem disso! Além do mais, eu cuido de você e da sua alimentação. Preparei um jantarzinho bem romântico. Preparei seu prato predileto.

E eu não estou bem... Passei um dia difícil. Quero você em casa comigo agora. Sou sua mulher! Você é minha prioridade na vida. Tem que me tratar assim também! Não vou comer até você chegar. Você sabe que não gosto de comer sozinha sem você!

 

Choramingos como uma criança pequena e continua...

 

    Eu quero você só pra mim. Você é meu! Eu sempre faço tudo o que você quer. Não divido o que é meu com ninguém, e isso inclui a chata da sua família.

– Eu só quero jogar uma bola com os amigos...

– E quer saber? Uma vez por mês você vai na casa da sua mãe. Gosta mais da sua mãe do que de mim.  Isso não está certo! Tem que ficar comigo. Assim não dá... você não me ama mais... não dá mais bola para mim... não me dá atenção – o choro começa.

                        

            Esse diálogo é um exemplo do que acontece nas relações marcadas pela dependência emocional. A pessoa dependente confunde amor com posse e presença constante e ininterrupta. O parceiro se torna a única fonte de segurança, prazer e bem-estar. Ora, o apego é natural e necessário nas relações amorosas, mas torna-se problemático quando se transforma em dependência emocional — também chamada de codependência afetiva.

 

                        Nesse caso do diálogo, há um exagero no cuidar do outro. O dependente coloca o outro no centro de sua vida, o outro é o epicentro! O dependente perde a autonomia e identidade. É negligente com as suas próprias necessidades, e torna-se alguém submisso, choroso e carente na busca de satisfação emocional. É um pedinte de migalhas e as aceita como se fossem um bolo de chocolate belga recheado com o mais maravilhoso dos brigadeiros!

                        As consequências disso tudo são, entre outras, comportamentos prejudiciais e até autodestrutivos. Além disso, o dependente emocional tenta isolar o objeto (pessoa amada) do resto do mundo. Tenta afastar o “seu amor” dos outros relacionamentos e da própria família. E, por incontáveis vezes, o dependente nem se dá conta desse comportamento. Ele(a) confunde amor com prisão e posse.

 

                        Mas, quais seriam as causas desse tipo de comportamento? São múltiplas. A psicanálise, por exemplo, destaca a importância das vivências infantis: tanto a negligência quanto o excesso de zelo podem gerar adultos inseguros, com medo de abandono e dificuldade de viver sozinhos. Donald Winnicott, eminente psicanalista, explica que o bebê nasce totalmente dependente e precisa, gradualmente, aprender a se separar da mãe (ou do cuidador). Quando essa separação não ocorre de forma saudável, pode surgir, na vida adulta, o desejo inconsciente de “fundir-se” ao outro. De todo modo, importante destacar que na psicanálise, não se trata de culpar quem quer que seja, mas de entender a história e os conflitos internos de cada pessoa.

 

            Porém, diante de tudo isso, como transformar o amor num laço — e não um nó?

 

            Pense num pássaro dentro de uma gaiola ricamente enfeitada, dentro das paredes de um lindo castelo. O pássaro está ali, ao alcance dos olhos, preso, seguro, visível sempre que quisermos. É nosso, não voa. Mas o que sente esse pássaro? Mesmo que a gaiola seja de ouro, cravejada de diamantes e esmeraldas, ainda assim seria prisão. Que liberdade cabe ali dentro?

 

            E então me pergunto: será que somos nós que estamos a colocar ou tentar colocar alguém nessa gaiola? Ou somos nós que aceitamos viver nela, batendo as asas contra as grades invisíveis do medo e da dor?

 

            Agora imagine essa mesma gaiola aberta. O pássaro voa, livre. O céu azul é o limite! É um céu límpido, conhecido como o céu de brigadeiro, que os pilotos tanto amam para voar! Nesse céu, o pássaro volta quando quer — não por obrigação, mas por escolha, POR AMOR! 

 

            Compreendemos, então, com o coração sereno e suave, que o amor verdadeiro é laço: ele une saudavelmente; não aperta, não aprisiona num nó, quem quer que seja. Isso porque o amor, quando é amor, deixa voar livremente — e ele permanece se desejar.

 

              O amor é laço, e não nó!

Beijos de Luz! Sandra Marcondes

  

 ***

Sandra Marcondes

Psicanalista, advogada e com a esperança sempre carregada no coração!              

 


Encontre apoio em saúde mental - Gratuito, acessível e perto da sua realidade

Procurar ajuda é um ato de coragem. Muitas vezes, o que precisamos é de um espaço de escuta, acolhimento e caminhos possíveis para seguir. Aqui, reunimos opções gratuitas ou de contribuição consciente para que ninguém deixe de cuidar da mente por falta de acesso.

encontre aqui

 

Leia também

Instituto Bem do Estar

Queremos gerar conhecimento aplicável sobre a saúde da mente


https://www.bemdoestar.org/
Próximo
Próximo

Juventude, Pressão e Propósito: o que o documentário “Terceirão – Um ano, quatro vidas” nos ensina sobre saúde mental