Quando a blusa lilás me ofendeu!
Querido(a) leitor(a), solicito, com gentileza, que leia o artigo abaixo com mente e coração abertos, livres de quaisquer julgamentos. É importante lembrar que criticar a dor alheia é ignorar que cada indivíduo enfrenta os desafios da vida conforme sua história, suas possibilidades e seu próprio entendimento. Agradeço imensamente pela consideração. Cada qual enxerga a vida sob a sua própria ótica, ou seja, cada qual com as suas lentes. O objetivo não é buscar culpados, mas compreender o sofrimento.
— Fiquei — ainda estou, e vou permanecer — ofendida e arrasada.
Não gosto da cor lilás.
Quer dizer, não é que eu não goste exatamente... é algo mais físico… é como uma dor no peito, um aperto que eu não entendo direito. Sempre senti isso.
Mas olha que coisa estranha: meu namorado me deu uma blusa lilás. E a blusa é linda, viu? Fiquei feliz com o presente. De verdade.
Até que… bom… minha melhor amiga olhou pra mim e disse que a cor não combinava com o meu cabelo, que não ficava bem em mim e que eu não deveria usá-la.
Aquilo me deixou arrasada e super ofendida. Como se ela me quisesse feia.
Senti como se ela me diminuísse e me humilhasse…
Na hora, pensei: foi pura inveja. Da blusa, do presente… e, talvez, até do meu namorado.
Vai ver que ela queria ser eu — ou estar com ele.
Foi ofensivo demais. E, depois disso, decidi: não quero mais falar com ela.
Essa coisa de “amiga” … sei lá. As pessoas são falsas. Só tem falsidade por aí.
Minha amiga quis que eu me sentisse mal a troco de nada! Pode?(pausa longa, suspiros, olhos marejados de lágrimas)
— Essa dor no peito… quando você vê lilás… a cor lilás te traz alguma lembrança?
— É estranho… porque sempre senti um incômodo forte no peito com essa cor. Mas nunca soube dizer por quê.
— Esse desconforto — você consegue especificar?
(silêncio)
— Minha mãe. Ela ama lilás. É a cor favorita dela. Só de pensar… meu peito aperta mais ainda.
Lágrimas escorrendo...
— A cor favorita da sua mãe… Você pensa na cor e na sua mãe e sente esse aperto no peito?
— Sim. Acho que minha mãe me odeia. Acho não! Tenho certeza! Eu sempre senti isso.
E… agora que você perguntou… lembro que em várias brigas — aquelas brigas feias mesmo, até com gritos e ofensas — o lilás aparecia.
Blusas da cor lilás… como se a cor estivesse colada à minha mãe e fosse ela própria.
Ah! E teve uma vez — como eu nunca pensei nisso antes? — uma vez em que minha mãe, vestida de lilás, na frente dessa mesma amiga que me ofendeu, disse que lilás só ficava bem nela e na minha amiga, e não em mim.
Minha mãe dizia que eu ficava melhor de rosa.E minha mãe sempre deixou claro que o lilás era a cor preferida dela e a minha era o rosa. Isso é até verdade, mas eu sempre tentei gostar de lilás.
(silêncio profundo)
— Lilás seria como algo que pertence à sua mãe?
(paciente fecha os olhos e respira fundo)
— Minha mãe me odeia. E a cor lilás também me odeia...
Silêncio profundo...
— Pensando melhor... sei que minha amiga não falou por mal. Mesmo porque, quando ela comentou sobre a cor da blusa, até recordou daquela briga que presenciou… E se lembrou que, naquele dia, minha mãe vestia lilás. Acho que quero voltar a falar com a minha amiga... acho que posso estar sendo injusta.
Eu nem tinha pensado nessa recordação da minha amiga. Na verdade, eu nem dei atenção quando ela falou isso, mesmo porque eu estava cega de raiva com o comentário de que o lilás não cabia bem em mim...
O lilás simboliza o amor materno, vindo de uma mãe que, segundo a percepção da pessoa ofendida, a rejeita. Ao ganhar a blusa lilás do namorado e sentir-se feliz, ela experimenta, simbolicamente, a sensação de ter conquistado o amor e a aprovação materna. A crítica percebida no comentário da amiga não se origina no presente, mas na figura da mãe, que, também, simbolicamente a impediu, de acordo com a ofendida, de usar o lilás, de sentir-se bonita, amada e aceita.
Enfim, a gente não reage apenas ao que nos acontece — a gente reage ao que, no acontecimento, sussurra de volta, de dentro de nós, e segundo as nossas próprias impressões, sentimentos e sensações.
Cada gesto, cada palavra, cada piada, cada pensamento pode ser um fio invisível que nos conecta a algo antigo, enterrado, reprimido, mas que ainda está vivo e em ebulição dentro de nós. A reação nasce, então, não do agora, mas da lembrança que o agora desperta em nós. É um movimento silencioso, quase sempre inconsciente...
E você, meu querido e minha querida leitora: será que a sua dor chegou somente hoje… ou tem sua raiz lá no passado?
Beijos recheados de luz!
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Sandra Marcondes
Psicanalista, advogada e com a esperança sempre carregada no coração!
Um texto sincero e delicado da psicanalista Sandra Marcondes, que nos convida a olhar com mais carinho para os afetos que sustentamos — mesmo quando doem.