Cartas de Setembro por Paulo César

Qualquer perda que sofremos, seja um término de um relacionamento, um emprego, a perda de um ente querido. São diferentes perdas, diferentes dores, mas todas elas nos levam a um processo de luto. 

Este processo é necessário, porém muitas vezes negligenciado por inúmeros motivos. Muitas vezes imaginamos que não falar, tentar não pensar talvez seja melhor ou até mesmo “acelere” a dor da perda. Algo que talvez possa nos anestesiar momentaneamente. No entanto, não é algo tão simples, pois tudo aquilo que tentamos ignorar ou até mesmo negar ou sufocar pode retornar com muito mais força e causar dores ainda maiores.

Cada ser humano, à sua maneira, em seu tempo, sua forma, vive e passa pelo processo de luto. Não existe fórmula ou regra, mas o fato é que consciente ou inconscientemente é algo que tivemos, temos ou teremos que lidar em vários momentos da vida. 

Pensar em aceitação é quase que inevitável e o processo de aceitar nem sempre é percebido e vivenciado como deveria. Como aceitar? Aceitação acaba virando sinônimo de obrigação.

Quando se trata da morte de um ente querido é uma grande perda que causa pesar e muita dor. Algumas situações, quando em vida há sofrimento por uma doença por exemplo, a dor se mistura com um certo “alívio” porque para os que ficam é como se acabasse o sofrimento daquele ser.

“A pessoa era tão boa, não merecia sofrer, descansou", podemos pensar. Talvez esta seja uma manobra para nos confortar e podermos administrar melhor a falta que esta perda nos traz. Uma certa angústia que muitas vezes se confunde com raiva, com lamentações e inúmeros outros sentimentos.

“A falta que a falta faz”

Quantos de nós já não passamos por situações parecidas? Muitas vezes até um animal de estimação sofrendo causa dor e a “partida” talvez se misture com um alívio para os que ficam. E o processo do luto está presente. Choramos, lamentamos, agradecemos. É um misto de tentarmos aceitar para nos conformarmos mas ao mesmo tempo não nos conformamos.

Poderíamos compartilhar inúmeras experiências e cada um teria seu tempo e sua maneira de lidar, de falar, de escutar. Cabe aos ouvintes simplesmente ouvir, pois interpretar seria um erro uma vez que o faríamos de acordo com a nossa visão de mundo, nossa própria bagagem. Não estamos “dentro do outro” para saber. Nem sempre a maneira com que se expressa traduz o real sentimento. Mas a fala ajuda, colocar pra fora é algo necessário.

E quanto se trata de uma perda por suicídio?

Pouco se fala sobre este tema, muitos que sofrem este tipo de perda sequer se atrevem a falar sobre o assunto. Realmente o luto não é tarefa fácil. Ao mesmo tempo que alivia a dor ao colocar pra fora, dói pois a lembrança permanece ali viva, latente. Muitas vezes é como se tivesse acabado de acontecer. Exige uma dose de coragem, de força. E tocar no assunto não é fácil. Falar sobre perdas é sempre difícil. Necessário? Sim. Mas nestes casos onde há o tabu, tudo fica mais penoso, mais trabalhoso, mais delicado.

Os que ficam sofrem este tipo de perda e vivem a luta do luto. O “luto do luto” se é que podemos colocar assim.

É algo indescritível. Sabe aquelas lamentações “E se? Porquê? Mas como? Gostaria de entender. Gostaria de saber o motivo. Não era do perfil. Quem imaginaria alguém tão alegre fazer algo assim.” Se tivéssemos estas respostas isso aliviaria a dor? Aceleraria o processo do luto? Aceitaríamos mais facilmente? Não. Qualquer tipo de perda não é algo que seja fácil de aceitar. E estas perguntas são naturais. Temos a tendência a racionalizar para entender, ressignificar. Mas a razão tornará este processo simples? Não existe regra para nenhum luto.

E quando se fala da dor de pessoas próximas aos que comentem suicídio, esta dor é indescritível tanto quanto qualquer outra dor, com o agravante de que existem diversos tipos de julgamento, justamente porque não falamos deste assunto tão sério e tão presente. É um tabu imenso que gera um abismo enorme. Muitos podem sentir pena dos que ficam mas ao mesmo tempo julgar o que se foi dessa maneira trágica como “covardes”. E acreditem, ouve-se coisas que talvez seja melhor não comentar. E julgar estas pessoas? Como? Cada um tem sua bagagem e sua visão.

Causa revolta, lamentações, questionamentos. Ao mesmo tempo que pedimos a todos que não lamentem, a gente se pega lamentando. Entra ano e sai ano, passam datas e a memória está sempre ali. Podemos ressignificar e tentar tornar o fardo menos “pesado” com terapia, ajuda de entes queridos, autoconhecimento, falando, calando, chorando. Mas a dor está sempre ali à espreita. Basta um deslize para que lágrimas escorram. É um misto de pesar, com raiva no início. Depois a gente ora, a gente agradece ao plano espiritual porque estamos vivos graças a esta pessoa que existiu um dia. E há momentos em que só agradecemos, há momentos que choramos muito. Às vezes choramos calados e muitas outras nos lembramos de coisas boas e tentamos emanar luz.

É uma gangorra. As pessoas que nos ouvem só tem a dizer “não consigo imaginar sua dor”. Acho que ninguém consegue imaginar ou sentir a dor do outro. E essa falta, essa angústia muitas vezes dá lugar à esperança, ao entendimento e aceitação. Inevitavelmente ela volta forte ainda que falemos, ainda que tenhamos ressignificado, ainda que não a tenhamos “sufocado”... 

Não existe um manual, uma fórmula.

Só existe o sofrimento pessoal de cada um que fica e não há palavras que possam descrever esta dor. Poderia escrever durante horas sem encontrar algo que possa expressar o que é esta perda mas não há palavras para descrever. Os dias viram semanas, que viram meses, anos, décadas... e a dor, a falta ainda está lá. De alguma forma se instala e a única maneira é aprender a conviver com a dor e tentar transformá-la em amor.


Paulo César Cacciari