Estar na Pele da Bruna
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Depois de tudo o que passei — de todos os episódios de violência — eu me reergui. Não sem traumas, buracos e cicatrizes, mas me reergui.
Recuperei os 10 quilos que havia perdido, reorganizei minha vida financeira, os pesadelos diminuíram, as crises de ansiedade foram ficando mais raras. E, depois de quase dois anos, permiti que um homem me tocasse novamente. Não foi fácil. Mas eu consegui.
Ainda não voltei a ser quem eu era — e talvez eu nem queira. Aliás, duvido que seja possível voltar a ser aquela mulher de antes. Mas uma coisa é certa: quando me vi forte de novo, decidi que queria ajudar outras mulheres que, como eu, foram vítimas de violência.
E então me deparei com a realidade mais dura: a do silêncio.
No meu próprio prédio, sei de pelo menos uma mulher que sofre violência do marido. Depois de muito pensar, criei coragem e enviei uma mensagem para ela. De intrometida mesmo, confesso. Ela ficou desconfortável e desviou do assunto. Eu não insisti.
Entendo. Tenho amigas que passaram por violências gravíssimas, e muitas delas ainda não conseguem falar sobre o que viveram. Parte disso são os gatilhos. Mas, em grande parte, é vergonha.
E é aqui que me pergunto: por que temos vergonha?
Lembro quando me perguntaram se eu queria incluir uma foto minha nesta coluna ou se preferia me manter anônima. Respondi prontamente: pode colocar minha foto.
Eu não fiz nada de errado. Quem deve sentir vergonha é o agressor, não a vítima.
Mas ainda assim, carregamos essa culpa emprestada. Essa mordaça invisível que nos foi ensinada a aceitar. Vergonha do que passamos. Vergonha de não termos saído antes. Vergonha de termos amado quem nos feriu. Vergonha de não termos percebido os sinais. Vergonha de ter voltado.
Vergonha de ter sobrevivido.
Está na hora de devolvermos essa vergonha a quem de fato a merece.
E, se você que me lê agora ainda não consegue falar sobre o que viveu, saiba: não é sua culpa.
Você não está sozinha. E quando estiver pronta, te prometo que há um mundo de pessoas ao seu lado.
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Bruna Ferreira
Advogada de formação, hoje gerente de projetos em tecnologia (onde os prazos são curtos e os cafés longos). Mãe do Luca — especialista em noites mal dormidas e amor incondicional. Sobrevivente de violência doméstica, transformando dor em força e ajudando outras mulheres a fazerem o mesmo. Sempre em busca de evolução (e umas horinhas de sono também).
Depois de tudo o que passei — de todos os episódios de violência — eu me reergui. Não sem traumas, buracos e cicatrizes, mas me reergui.