Estar na Pele do Kenzo: Página 01

Dia 1:03/01/2020

Sexta-feira, 9:58h, Bento Gonçalves 

Aprender a dançar

Primeira escrita do ano. Enquanto eu busco palavras rebuscadas para tentar impressionar minha audiência imaginária, eu consigo me observar fazendo isso. E só escrevo. Liberdade. 

Foto: Thom masat / Unsplash

Foto: Thom masat / Unsplash

E se tivéssemos a liberdade de sermos livres de verdade? E se não existissem  barreiras para a fluidez entre cada sinapse neural? E se tudo aquilo que passasse pelas nossas cabeças fosse passível de interpretação? De interação? De reconstrução? De uma narrativa mais saudável, compassiva e humana? 

Ter a possibilidade de criar seja lá o que for que se torne a criação em si. Sem pré- requisitos ou agenda a se cumprir. Deixar as palavras trilharem o caminho da caneta no papel. Ser o caminho. Deixá-lo tomar seu próprio curso. Nem que seja apenas por um momento do seu dia, se entregar. Deixar as rédeas de lado e se permitir ser levado. Observar o que aparece do outro lado. Sem nenhum destino a se chegar. Sem mais nada a adicionar. Observar como seus pensamentos interagem entre si numa dança inteligível de loopings infinitos. Aprender a dançar. 

E se você colocasse no papel todos os pensamentos aleatórios que surgem na sua mente, como seria isso? 

“Uau, já é difícil começar. Difícil se achar no meio de tanto barulho. Olhos fechados.  Respirando. Mas a música está muito alta agora. A mandíbula tensa. Passos de alguém passando no corredor. O ombro esquerdo desconfortável, muda de posição. E suas metas para 2020? Esse texto era para ser sobre elas, é o primeiro do ano, não dá para ignorar isso. Respira fundo de novo para pensar sobre o próximo pensamento. Convidá-lo a entrar. Mas nada vem. Escreve mesmo assim. O que vem na cabeça, vai para o papel. Continua escrevendo. Mas falta algo substancial aqui. Você não pode continuar escrevendo só sobre isso. Que tipo de texto é esse que só narra pensamentos aleatórios? A música muda. Eu mudo. Flow. Um sentimento inspirador. Um sorriso. Um pequeno arrepio nos braços. Começa a ficar mais intenso. E mais. Quanto mais eu percebo esse arrepio, mais intenso ele fica. Me sinto levado pela música agora. Não tem como me desconectar dela. Conectado. Me sinto num espaço diferente. A música vai diminuindo de ritmo. Eu diminuo meu ritmo também. A música para. Eu paro. Me vejo nela. Tiro um screenshot da tela. Toco ela de novo. Só que dessa vez, vamos dançar?” 

É claro que escrever na mesma velocidade que eu penso é tarefa impossível. É o típico cenário do cobertor curto. Enquanto um pensamento é capturado na rede do  meu consciente, quantos tantos passam despercebidos e se abrigam no meu inconsciente? 

Perdido, solto no universo do inconsciente, tal pensamento pode até parecer ensaiar  um adeus saudoso ao olhar distante do meu familiar consciente. Mas no fundo, no fundo, sabemos que ele nunca foi embora. Ficou lá, vagando na escuridão do  inconsciente; ora adormecido, ora distraído, ora à espreita pronto para dar o bote. E se isso acontecer, convido ele para dançar - dois pra lá, dois pra cá, levo e me deixo  levar. Afinal de contas, o objetivo da dança é mesmo dançar. 

Kenzo Sugawara

“Curioso pela profundidade da vida com propósito. Escrevo para me encontrar e devolver algo de bom no mundo.”