Estar na Pele da Adriana: Página 01

Seria injusto compararmos a trajetória de uma vida humana com a de um cachorro?

Começo esse texto com essa pergunta, porque esse foi o começo de minha trajetória para uma vida mais plena. Pode soar estranho, ou um pensamento muito simplista talvez? 

Pode até ser, mas depois que um burnout quase tirou minha vida, aprendi “na marra” que o significado de que a beleza reside nas coisas mais simples, e que na maioria das vezes passamos despercebido ou ignoramos.

Descobri que tinha sofrido um burnout quando fui parar na UTI com a pressão de 27 por 16, e o único sintoma que sentia era falta de ar. Parando para pensar agora, tinha um cansaço descomunal, como se quisesse dormir por uma semana, dores de cabeça (mas quem não tem não é mesmo?!), náuseas (foi a pizza de ontem) e mais uma porção de desculpas para não enxergar que o corpo estava “gritando” por uma mudança urgente de hábitos, mas, principalmente, de mentalidade. 

Vivia para trabalhar, cumprir metas e respirar pela empresa, um ciclo vicioso que transforma sua identidade em seu código de cadastro representado pelo crachá da empresa.

Sim, aquelas sonhadas férias em resorts ou em países exóticos foram trocadas por uma semana num quarto de UTI. 

Por conta do burnout, desenvolvi uma doença auto imune nos rins, chamada de doença de Berger, infelizmente sem cura mas com tratamento para minimizar a insuficiência renal. Quando recebi o diagnóstico fiquei sem chão.

As probabilidades de hemodiálise e transplante ainda “pairavam no ar” caso não houvesse melhora dos rins, que já havia perdido 35% de suas funções sem chance de retorno. Foi nesse momento difícil que eu e meu marido decidimos adotar um cachorro. 

Voltando a pergunta, me deparei com esse questionamento tempos atrás (mais precisamente em novembro de 2019), quando conhecemos e adotamos a Lupa, uma vira-latinha linda que transformou minha vida, e acredito que a vida dela também.  Nós duas estávamos começando do “zero”: eu na busca de ressignificar minha vida, e ela com novos tutores numa casa nova. Na minha visão, nós duas nos encontrávamos nesse desafio semelhante, rumo ao desconhecido, mas de “peito aberto”, aceitando o que a vida nos apresentava com coragem e amor. 

Você paga um preço alto quando a vida te mostra o resultado da longa falta acumulada de cuidados com você. Na maioria das vezes, você só tem consciência disso quando a conta chega. Você junta forças não sei de onde para lutar contra esse diagnóstico, a vontade de viver e superar esse desafio se torna sua prioridade. 

E eu via isso na Lupa também. Apesar do abandono, quando foi “descartada” na marginal Pinheiros provavelmente pelos antigos tutores, ainda havia coragem e muito amor que se expressavam naqueles olhinhos pretos, para acreditar no ser humano, em novos tutores, numa nova vida, na esperança de dias melhores!

Lembro do 1º dia que ela chegou em casa: fragilizada, desconfiada, com uma carinha muito triste. Se pudesse traduzir os sentimentos dela seria como alguém que estivesse vivenciando uma tristeza profunda: não queria comer, beber água, nem estar próximo de alguém. E esse sentimento era exatamente o que eu estava sentindo naquele momento. Estaríamos vivenciando experiências similares?

Vivíamos um dia por vez. Aos poucos nos aproximando, conhecendo nossas dores, mas felizes em desfrutar juntas do cotidiano e da rotina que no final, nos curava física e emocionalmente. 

O tempo nos proporcionou construirmos nossa história, e hoje olhando para trás vejo o quanto nosso caminhar nos permitiu nos tornarmos mais fortes. 

Gosto de pensar que juntas vencemos a depressão e a dúvida do incerto amanhã, e hoje continuamos caminhando juntas, batalhando e vivendo o dia a dia com coragem, alegria e muito amor. Um amor incondicional que ajudou a me reerguer no momento mais difícil da minha vida.

Ah, e respondendo a pergunta: não, não acho injusto comparamos trajetórias de homens e cães, injusto seria não termos consciência de que nossa caminhada às vezes pode ser tão similar a qualquer ser vivo desse mundo, com suas dores e delícias. É aí que a beleza reside, nas coisas mais simples da vida.

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Adriana Katsutani Lerner

Paulistana miscigenada, Comunicadora, ex Marqueteira, tia do Dani, do Pedro e do Vini. Ávida por qualquer tipo de conhecimento, qualquer tipo de cachorro e qualquer marca de café. Ama viajar mesmo que seja somente através dos livros. Valoriza uma boa música, cinema, bate papo, ou seja, as coisas mais simples da vida.