Estar na Pele da Mariana: Página 01

Para começar tudo isso, eu poderia falar um pouco sobre como cheguei até aqui. E por aqui quero dizer física e mentalmente.

Ah, oi! Meu nome é Mariana, tenho 32 anos e eu não faço ideia do que estou fazendo da minha vida.

Seja bem-vinde ao meu consultório sentimental, onde só eu vou falar - ou escrever - porque, bem, isto é uma coluna.

Isso não impede que você tome esse espaço para se ajeitar aí onde é que você esteja e se sinta mais confortável, seja por dar graças a deus por não estar na minha pele ou, como eu desejo, se identifique com o que for que eu compartilhar por aqui e, talvez, quem sabe, se sinta menos alheio a esse mundo completamente doido em que colocaram a gente.

Enquanto escrevo isso, estou sentada num café numa cidade pequena na Tailândia. Cheguei aqui há quase um mês, não por acaso, mas à procura de algo que estou procurando há pelo menos 3 anos. Nem me pergunte o que é, porque ainda não achei.

Um pouco mais de contexto: saí do Brasil há exatos 1 ano e 4 meses. Minha realidade naquela época era de uma pessoa completamente quebrada. Pandemia, lutos, crises de ansiedades que viraram acompanhantes diurnas e noturnas, a vida no Rio de Janeiro com governos estadual e federal fascistas em pleno 2021, e mais qualquer outra coisa que me engatilhasse naquele momento super vulnerável.

Há alguns anos vinha me cuidando em sessões semanais de terapia, mantinha uma rotina com exercícios, yoga, alimentação saudável, vida social, e todo e qualquer outro ingrediente da fórmula da vida perfeita, mas nada, absolutamente nada, nos prepara para as esquinas que nossas vidas entram e nos fazem perder nosso chão repentinamente. Para mim, a curva que apenas começou a mudar minha vida por completo foi a morte do meu pai, que aconteceu 2 semanas antes do decreto oficial da pandemia.

Desta sequência de eventos deliciosa, tive uma única opção: um luto profundo presa dentro de casa por tempo indeterminado. Obviamente perdi qualquer senso de racionalidade, para não dizer que enlouqueci.

Apesar dos motivos pessoais para a minha “loucura”, até o dia de hoje não conheço ninguém que saiu ileso da pandemia. Por isso, por ora, limito os detalhes do meu contexto, pois gostaria de adentrá-los com um pouco mais de cuidado comigo e com você.

Fato é que, passado o tsunami que se tornou minha vida, resolvi vir para a Tailândia e, até então, tinha uma única intenção: mudar a minha realidade. E aqui faço uma observação, que talvez seja apenas para estabelecermos uma relação de confiança entre a gente: o reconhecimento do meu privilégio financeiro, por poder simplesmente largar tudo e viver uma aventura, da cor da minha pele, do meu status social e da família incrível que tenho. Tudo isso me trouxe até aqui, nas diferentes formas que me permeiam.

Acontece que, mesmo cercada de tanto privilégio, todos estamos suscetíveis a dores, traumas, depressão, ansiedade, ou qualquer coisa que debilite a nossa saúde mental. E este é o foco desta coluna.

Importante reconhecer isto, pois, pelo menos para mim, tomou muito tempo e espaço na minha mente inquieta que só pensava: eu tenho tudo, por que eu ainda me sinto um lixo? Então resolvi buscar me sentir menos... lixo?

Reconheço também a coragem que foi sair do Brasil nesse estado apesar de, naquele momento, achar que não estava “tão mal assim”. Afinal de contas, passei por situações que todo mundo passa ou vai passar e, além disso, o período conturbado já tinha acabado e eu tinha voltado a comer, dormir, sair de casa e interagir com pessoas.

Somente hoje tenho uma melhor percepção do que estava acontecendo ali. Eu não estava me permitindo ser vulnerável pelo simples fato de estar incessantemente me cobrando uma melhora, uma cura, ser feliz. O tamanho da expectativa da criança!

Fazendo um paralelo dessa minha versão de 2021 com a de hoje (e pulando diversos processos que passei no último ano, afinal, estamos apenas começando a nos conhecer), chego ao meu atual estado mental: estou bem. Ou, pelo menos, estou melhor do que já estive. Este ímpeto de aperfeiçoamento gostaria que eu estivesse melhor, é claro.

Pensando bem, acho que nunca estamos completamente satisfeitos com nosso estado mental. Talvez porque já termos passado por momentos ensandecidamente felizes e queiramos este sentimento constante, ou pelo simples fato de estarmos vivendo num modo sobrevivência, criando expectativa de que um dia tudo vai ser perfeito.

O que eu aprendi até agora, muito influenciada pela psicologia e pelo budismo, é que não existe um objetivo final quando estamos tratando da nossa saúde mental. Tudo é um longo, complexo e dolorido processo em que, entre intervalos ou simultaneamente, a gente aproveita a vida. Não existe aquele momento em que conquistamos tudo que queremos e viveremos em completo estado de felicidade, paz e harmonia. É tudo questão de equilíbrio.

Alguém mentiu para a gente - não sei quem foi, mas se eu pegar...

Brincadeiras à parte, porém falando a verdade! Perdemos muito tempo de vida desconstruindo conceitos e fórmulas da vida perfeita que nos foram introjetados, sem qualquer consentimento. E eu não vou nem mover meus dedinhos neste teclado para exemplificar os conceitos, porque todos sabemos muito bem.

A saúde da nossa mente está completamente conectada a esta construção social. O problema é que esse abestalhado que mentiu para gente só esqueceu do fato de que temos uma mente pensante (e como!) e, certamente, questionaríamos a realidade que nos foi imbuída.

E é aí que o bicho pega. Quando a gente puxa a cordinha do questionamento, a mente vai embora. Mas não me entenda errado, eu sou super a favor do questionamento! Inclusive, fiz toda uma faculdade em questionamento. O que me leva a crer que talvez esse seja um dos motivos para meus problemas. Seria tão mais fácil viver no automático, ignorando qualquer nova dimensão diferente daquela que me foi apresentada. Acordar, produzir, produzir, produzir, produzir e dormir. Delícia.

De certo modo, e por mais controverso que pareça, todo esse questionamento me traz tranquilidade. Descobrir que não preciso cumprir com o papel que esperam de mim ou que não preciso me cobrar de entrar num trilho socialmente aceitável e simplesmente ser quem eu sou, é bem reconfortante. E esse é exatamente o processo que estou vivendo, física e mentalmente.

Ser eu mesma, por vezes no trilho, por outras fora, por muitas batendo contra outros trens, mas sempre estando exatamente onde quero estar. Seja num café que agora já está para fechar, numa cidade pequena na Tailândia, ou em qualquer lugar que eu decida ir e levar minha mente questionadora, exaustiva e, quiçá, brilhante.

Até semana que vem? Ou, sinceramente, até a próxima vez que esta mente brilhante me permitir escrever sobre ela de novo.




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Mariana Calvão

Sou carioca, nascida e criada na zona norte, onde morei por 30 anos. Hoje estou morando pelo mundo, onde me faço e refaço, deixando e recebendo um tanto por onde passo, e levando comigo a certeza de que muito pouco eu sei, mas sempre à procura de um sorriso meu e daqueles que me permitiram os amar.