A mulher e a sociedade em rede: ela faz as versões dela

Foto: Gemma Chua-Tran / Unsplash

Março, mês que comemora o Dia Internacional da Mulher e por que não comemorar a era da mulher?

Nós, como seres humanos, nos organizamos socialmente no âmbito estrutural e transcendental. Você deve estar se perguntando: “O que é isso?”. Já adianto que é fácil entender, difícil é viver nesse novo mundo se rechaça-lo. 

Os âmbitos transcendental e estrutural podem ser entendidos pelo que capta o nosso ponto mais sensível, que é a angústia frente à morte.  Nos tempos anteriores ao que vivemos, se morria pela religião, pela guerra. Enfim, socialmente éramos organizados por algo comum a todos e de uma maneira estrutural hierárquica, pois não era uma decisão própria e sim uma ordem superior. Atualmente, o sagrado é quem divide conosco o vazio da nossa existência. Hoje não é raro amar porque ama sem muita justificativa.

E hoje, como vivemos o laço social? Estamos vivendo em um momento de plena transformação digital e os efeitos da globalização se desdobram, cada vez mais, em benefício do mundo feminino. 

No mundo anterior ao atual, as relações verticais eram prontas, com padrão marcado, disciplinado – de que todo mundo faz assim e dá certo, do manda quem pode(r) e obedece quem tem juízo, quem nunca ouviu pai e mãe falar que para ser feliz na vida tem que casar, ou ser médico, advogado ou engenheiro? – essa antiga forma de viver perde força de maneira veloz e se privilegia as relações horizontais da delicadeza dos afetos, das múltiplas possibilidades, das trocas colaborativas. 

E por que essa nova forma de ser e viver é mais favorável ao mundo das habilidades femininas? Para Lacan, a mulher não parte de uma premissa universal para constituir sua identidade feminina, nem de nenhum suporte preestabelecido. Ao longo de sua vida, ela vai se inventando, como ser única. Por isso que mulheres não gostam de ser comparadas a outras mulheres, apesar de admirá-las. Fernanda Young nos dá uma palinha sobre o delineamento da feminilidade, no prefácio de seu livro com o título Pós-F: Para além do masculino e do feminino, “Não sou especialista em nada. Melhor, não sou especialista de coisa pronta. Procuro me aprimorar em mim, entendendo sobre mim – usando, é claro, tudo o que observo nos outros”. 

Então não há uma declaração clara do que é ser uma mulher? Clarice Lispector responde com sua poesia “O que eu quero ainda não tem nome”. Sim, ao se deparar com essa questão desde pequena a mulher passa a ter relevante capacidade inventiva ao longo da vida, começando por ela, em criar uma identidade singular para se dizer “A mulher”.  

Hoje vivemos uma era com múltiplos padrões pulverizados, com verdades provisórias, que requerem correr o risco frente ao que não se tem certeza e se responsabilizar por isso. A mulher por sempre se questionar sobre sua identidade feminina tem seu GPS de fada sensata mais afinado, para refazer suas versões, nesse novo mundo de beleza da incompletude humana. 

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Jéssica Magalhães 

Sempre foi curiosa quanto ao sentimento contraditório do ser humano e se questiona como que a partir dessa ambivalência as pessoas podem se beneficiar na vida.

Psicóloga e psicanalista, membro do corpo de formação em psicanálise e do núcleo de reprodução assistida humana do Instituto de Psicanálise de São Paulo.