Compaixão: uma relação de intimidade com a vida

e se, ao olhar para dentro,

eu encontrar dor e desconforto,

que eu também encontre

acolhimento e gentileza

para sustentar minha realidade

e ser meu primeiro porto

de segurança emocional.


Durante muitos anos eu vivi num turbilhão de emoções dentro de mim com zero habilidade para entender e acolher o que eu sentia e, tampouco, expressar tudo isso. Sabe quando você está na área de rebentação das ondas do mar e não consegue voltar para a areia nem mergulhar adiante, fica ali só tomando caldo em cima de caldo? Eu me sentia assim... e o fôlego se esvaindo a cada onda de emoções incompreendidas.

Juntei isso com as crenças de inadequação que peguei emprestado da nossa cultura social (opressora e negacionista da nossa humanidade) e, ao longo dos anos, inconscientemente fui construindo dentro de mim um padrão condicionado de excessiva autodepreciação e autocobrança. Você já deve imaginar que “deu ruim”, né?! Pois é, desenvolvi um quadro de ansiedade, com algumas crises bem intensas, e um descolamento da minha essência.

Foto: Michael Martinelli / Unsplash

Outro dia, organizando algumas fotografias encontrei uma do voo de asa-delta que fiz no Rio de Janeiro em 2014. Refleti, um tanto surpresa, como era tranquilo para mim me jogar aos céus cariocas do alto de uma montanha há centenas de metros do chão, mas me sentia totalmente insegura em mim mesma, nos domínios do meu sentir. Como podia meu coração palpitar muito mais intensamente quando eu me expunha perante outras pessoas ou queria dizer “não” do que ao colocar minha própria vida em risco? As forças do padrão mental não me permitiam essa liberdade.

Quando nos encaixamos talvez seja mais fácil viver, porém é árdua a batalha para dar check em todos os itens da lista do roteiro da vida bem-sucedida. Mas quanto ela vale de fato? E quanto é uma escolha minha cumprir todos esses itens? Estar desconectada de mim me direcionou para um fluxo automático e inconsciente de atender expectativas alheias e outras que eu mesma me impus, mas muitas delas não faziam sentido com a minha essência. Esse fluxo me colocava sob domínio de visitantes assíduos: ansiedade, angústia, vergonha, medo da rejeição, perfeccionismo, pensamentos e mais pensamentos decretando de diversas formas que eu não era boa o suficiente.

Curioso é que ao começar a tomar consciência desse processo eu também comecei a me culpar por não ter feito diferente no passado - olha aí o padrão, ardiloso, me dando a volta mais uma vez.

Só tomar consciência não é o bastante e pode levar para bem longe de um movimento de cuidado consigo.

A chave para uma transformação mais profunda para mim foi encontrada nas práticas de atenção plena (mindfulness) (1), especialmente quando aprendi sobre a compaixão - essa palavra tão simples e tão mal aproveitada por nós. Nas palavras de Tara Brach “... a compaixão, é a capacidade de nos relacionarmos de maneira gentil e empática com o que percebemos. A compaixão honra nossa experiência, nos permite ter intimidade com a vida neste momento assim como ela é.”(2).

A prática de atenção plena me apresentou um caminho pelo qual me conecto com meu corpo, minha mente e minhas emoções num lugar muito mais seguro e acolhedor do que o que eu me colocava antes. Como gosto de dizer: ao pisar nesse chão me torno meu primeiro porto de segurança emocional.

Nutrir compaixão cria um solo fértil para que eu me interesse por mim a cada experiência e seja curiosa o suficiente para tatear minhas dores, dando liberdade ao meu sentir e trazendo lucidez sobre padrões de pensamento disfuncionais. Entrar em contato com pedaços de mim que eu não gosto tanto é um desafio enorme e a compaixão é a habilidade que me permite compreender e acolher que tudo isso também faz parte do meu ser (humano). Não sei se você concorda com a Cyndi Lauper, mas eu quero bem mais do que apenas me divertir, eu quero sentir todas as nuances de mim e tocar com gentileza cada uma das mulheres que me habitam.

E veja, aquelas crenças e padrões continuam me visitando enquanto a vida acontece, não existe botão de desligar. Mas aliada à compaixão tenho força para retomar os domínios do meu ser, baixar o volume desse falatório mental e me levar para a areia novamente, longe da rebentação, onde posso respirar com calma e olhar com clareza para a minha realidade, afastando a névoa do julgamento. Desse lugar seguro e gentil, em que estou presente em mim, é mais fácil me conectar com o que é importante e escolher o caminho que ressoa com a minha essência e meus valores.

Não é sobre não ter problemas ou desafios na vida, nem sobre autopiedade ou resignação diante do que nos acontece. É sobre ser colo para si e fonte restauradora de energia para seguir em frente – não a todo e qualquer custo, mas com cuidado e gentileza consigo. E isso pede um cultivo vivo e contínuo de presença e atenção em si, com doses cavalares de compaixão.

A mulher que encontra em si espaço seguro para amar-se por inteiro faz revolução!

Vem comigo, eu te mostro o caminho!

(1) Debora Andrade, é instrutora de atenção plena, com formação internacional no protocolo de mindfulness neurocognitivo Body in Mind Training©. Para mais informações acesse diretamente o Instagram @deandrade.mindfulness.

(2) Citação do livro Aceitação Radical, editora Sextante.


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Debora Andrade

Aprendiz da vida, em constante (des/re)construção, praticante de yoga, meditação e trekking, energizada pela natureza, interessada em temas relacionados ao autoconhecimento, gestão das emoções, relacionamentos interpessoais e integração do ser humano com a natureza. Multiplicadora da Comunicação Não Violenta e mediadora de conflitos com ênfase em mediação familiar. Dedico-me a projetos que envolvam a construção de conexões humanas por meio da CNV, da mediação de conflitos e outras práticas que estimulem a autoconexão.