Estar na Pele da Bruna
PÁGINA 6
Quando a violência não deixa marcas visíveis
Falar sobre violência psicológica ainda é difícil. Talvez porque, ao contrário da violência física, ela não deixe roxos, cortes ou ossos quebrados — ela corrói por dentro. Silenciosa. Disfarçada. E, por isso, tão perigosa.
A agressão física é visível, inegável. A psicológica, não. Ela se esconde em frases sutis, em silêncios ensurdecedores, em jogos mentais que fazem você duvidar da própria sanidade. Nem sempre é um xingamento direto. Às vezes é apenas o desprezo quando você tenta conversar. É o deboche diante da sua dor. É a forma como suas necessidades são ridicularizadas até você começar a achar que realmente está exagerando.
Eu me vi pedindo desculpas por cobrar algo sério. Por reagir a algo grave. No final de cada briga, ele era a vítima e eu, a culpada. Eu pedia desculpas, mesmo sem entender o que, de fato, eu tinha feito de errado.
Me lembro de ouvir, com frequência, que não havia espaço na nossa casa para as minhas tristezas — ele já tinha problemas demais. Se eu tentava dividir algo que me machucava, ele respondia com mais dor, mais queixas, mais pressão. E eu engolia o que sentia. Silenciosamente.
O resultado? Fui internada por burnout emocional. Sim, isso existe. E é sério. A depressão veio rastejando e eu não tive espaço para percebê-la, muito menos para tratá-la. Eu estava atolada com os problemas dele. E, ainda por cima, cuidando de um bebê. Sozinha. Mãe solo antes mesmo de ser oficialmente mãe solo.
A violência psicológica é tão grave que, assim como a física, não precisa de um advogado para ser levada à Justiça. O Estado é o autor da ação. E muitas mulheres não sabem disso. É possível conseguir uma medida protetiva mesmo sem ter sofrido agressão física. Mas isso ainda não é dito o suficiente.
Por isso, apesar de todas as cicatrizes, apesar do trauma físico, talvez a única coisa que me trouxe algum alívio tenha sido a agressão final. Foi só ali que eu consegui enxergar — com clareza — o tamanho da violência psicológica que eu vinha sofrendo há anos.
E não foi só dele. A violência também veio de outras vozes. A mãe dele dizia que ele se mataria se eu o deixasse. O pai dizia que o problema era eu, que com os outros ele se dava bem. Tudo isso me prendia, me calava, me adoecia.
A violência psicológica é profunda. Invisível. Devastadora. E precisa ser falada. Precisa ser nomeada. Para que mais mulheres possam reconhecer os sinais. Para que mais de nós consigam sair antes que o silêncio nos destrua.
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Bruna Ferreira
Advogada de formação, hoje gerente de projetos em tecnologia (onde os prazos são curtos e os cafés longos). Mãe do Luca — especialista em noites mal dormidas e amor incondicional. Sobrevivente de violência doméstica, transformando dor em força e ajudando outras mulheres a fazerem o mesmo. Sempre em busca de evolução (e umas horinhas de sono também).
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*As opiniões expressas na coluna Estar na Pele não refletem diretamente as posições editoriais do Instituto Bem do Estar, são baseadas nas experiências dos colunistas e suas versões do fato, sendo a ideia da coluna um diário aberto onde autores podem expressar suas experiências de forma genuína se aproximando dos leitores.
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Falar sobre violência psicológica ainda é difícil. Talvez porque, ao contrário da violência física, ela não deixe roxos, cortes ou ossos quebrados — ela corrói por dentro. Silenciosa. Disfarçada. E, por isso, tão perigosa.