Onde há vontade, há um caminho
Enquanto eu assistia à ficção científica e sátira política Não olhe para cima (1), um segundo filme se passava na minha cabeça, cujo enredo surgia dos paralelos que eu fazia da situação dos astrônomos pesquisadores com a de lideranças em algumas organizações, na busca por uma escuta de qualidade.
Na perspectiva dos astrônomos, confiantes na precisão de seus estudos e cálculos, não havia margem de dúvida em relação às consequências da iminente colisão de um enorme cometa com o planeta Terra. E por essa razão, também confiantes de que receberiam a atenção dos que detém o poder de mobilização.
Stanislao D’Ambrosio/ Unsplash
Muitas horas de espera em contraste com o movimento do cometa. A angústia de quem enxerga desdobramentos em contraste com a demagogia de quem escolhe olhar em outra direção, a lógica de um e de outro entram em colisão.
De um lado o espanto de quem vê a situação tomar um rumo totalmente inesperado enquanto se esforça por se fazer entender, e de outro, quem entendeu muito bem a situação, mas olhou para a oportunidade de ganhar no jogo político e na manutenção do poder.
Muitas organizações se empenham na realização de pesquisas, coleta, organização e análise de dados, mas apesar do custo financeiro, de tempo e da inteligência de profissionais especializados no assunto serem relevantes, nem sempre os resultados obtidos são considerados confiáveis ou consistentes o bastante para promover mudanças de rota.
Agir sobre o que é conveniente ou sobre o certo a fazer? Como fazer omeletes sem quebrar os ovos? Não podemos continuar iguais e esperar que as coisas mudem.
A frustração, sensações de incompetência e impotência, são familiares a muitos profissionais que se empenham em subsidiar decisores com dados minuciosamente colhidos, revisados e testados.
Em contraste, penso na satisfação e senso de realização daqueles que de alguma forma fizeram parte das mudanças anunciadas, que incansavelmente foram capazes de extrair significado dos dados de suas pesquisas e gerar informações irrefutáveis.
O Janeiro Branco de 2022 mobilizou a sociedade a tomar conhecimento da oficialização da Burnout como doença ocupacional. A Síndrome do Esgotamento Profissional (burnout) é descrita como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso” (11ª versão da Classificação Internacional de Doenças - CID-11) (2).
A oficialização é uma resposta clara e consistente à urgente necessidade de revisão nas condições, relações e dinâmicas de trabalho. O primeiro passo tendo sido o reconhecimento, em escala global, da existência do problema.
O momento pede agilidade de respostas, na forma de ações concretas que possam aliviar a intensidade e frequência de sensações de frustração, incompetência e impotência, que acabam por promover experiências de esgotamento, como a dos protagonistas da ficção. Filmes como Não olhe para cima nos fazem relembrar aquela frase sobre a arte imitar a vida.
“Por uma perspectiva simbólica, a CID – 11 é um cometa visto a olho nu, que se faz presente para desconstruir velhos hábitos, abrir espaços inadiáveis para a instauração de novos modelos de relação com o trabalho e varrer do mapa o benefício da ignorância deliberada, que por vezes se apresenta na forma de dúvida a serviço do avanço do conhecimento. ”
As cenas em preto e branco do filme Tempos modernos de Charles Chaplin, não ficaram tão para trás como gostaríamos de acreditar. O posicionamento da sociedade é por mudanças que ultrapassem um colorido bonito ou sofisticação no maquinário.
“Admiro e confio no poder transformador das organizações que têm a atitude de olhar para cima, que enfrentam incertezas mesmo sem saber quão longe há terra firme. Que de maneira efetiva, apoiam o desenvolvimento de suas lideranças, para que não tenham medo de errar e sim, aprendam continuamente, enquanto desempenham sua parte em fazer as coisas acontecerem, aqui e agora.”
Ainda bem que nem todos os que exercem influência por ocuparem cargos de liderança, pulam etapas correndo o risco de serem devorados por um emplumado Brontaroc (se você não assistiu ao filme talvez aqui tenha um spoiler).
Temos uma grande oportunidade para mudanças relevantes. A missão é desafiadora, coisa para aqueles que olham para cima, escolhem resolver os problemas, ainda que inesgotáveis, orgânicos, variantes, para usar um termo que se tornou tão familiar a nós nos últimos tempos.
E vamos lá. Onde há vontade, há um caminho (3).
1- Filme Netflix, roteiro e direção de Adam McKay, 2021
2- A CID 11 caracteriza a síndrome burnout por três elementos: sensação de esgotamento; cinismo ou sentimentos negativos relacionados ao trabalho; e eficácia profissional reduzida (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2019).
3- Provérbio Inglês (Where there is a will, there´s a way).
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Marcia Moura
Psicóloga, curiosa por diferentes saberes e perspectivas, tem dificuldade de responder sucintamente à pergunta “o que você faz?”. Interessada por pessoas, que são um mundo que se revela a cada encontro e transformam a quem se deixa afetar. Gosta de pensar junto, criar e realizar junto, de ser par, ser parte. Há muito se dedica a cultivar sementes, sempre com a convicção de que irão, cada uma a seu tempo e no tempo possível, viver e expressar sua singularidade.
Existem histórias que começam antes mesmo do primeiro encontro. Histórias que se escrevem nas faltas, nos vazios, nas tentativas de se reconstruir depois do amor que não deu certo. Estar à Procura é sobre isso: relatos de quem, de uma maneira ou de outra, busca aquela parte que está faltando — e tenta preencher o vazio que machuca.