Se você tratar a depressão dos pais, evita a dos filhos

Um estudo aponta a importância de cuidar da saúde mental de quem tem menores sob seus cuidados em contextos de conflitos humanitários para que as consequências não persistam nas gerações futuras.

Água, comida, higiene, um telhado seguro para proteger-se das crueldades. As necessidades básicas de todos aqueles que são forçados a viver em um campo de refugiados são aquelas relacionadas ao corpo. Quando chega a hora de se preocupar com a mente? Um estudo, desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Columbia, aprofundou a relação, no contexto humanitário, entre os níveis de ansiedade e depressão dos idosos e os desenvolvidos por menores sob seus cuidados. Eles concluíram que a existência de depressão em um adulto triplicou a probabilidade de que o adolescente tivesse altos níveis de ansiedade.

Foto: Kelli McClintock / Unsplash

Foto: Kelli McClintock / Unsplash

"Em situações de emergência, a presença de um cuidador adulto estável ajuda as crianças a se sentirem bem e, restabelecer rotinas, aumenta sua capacidade de recuperação. A abordagem integral identifica, apóia e protege as crianças vulneráveis, jovens e seus cuidadores ", diz Zeinab Hijazi, especialista em saúde mental e apoio psicossocial na área de proteção de crianças em situação de emergência da Unicef.

O estudo foi realizado em dois campos de refugiados em Uganda, Kiryandongo e Adjumani, com jovens entre 13 e 17 anos do Sudão do Sul, um estado falido e, que desde 2013, é controlado por dezenas de milícias. 1,5 milhão de sul-sudaneses vivem em campos de refugiados fora de suas fronteiras, segundo dados da ONU. Os pesquisadores analisaram a relação entre os sintomas apresentados pelos "cuidadores", que podem ou não ser os pais, e os menores.

Registramos pensamentos suicidas e autoflagelação em crianças. E, em nossos tratamentos, sempre tentamos ter um foco familiar, porque achamos que o que acontece com um dos membros terá consequências no restante
— Jennifer Zuppiroli, técnica da Save the Children.

"Situações de estresse prolongado, como as dessas crianças, podem provocar reações como pesadelos ou insônia. Geralmente, você procura estabilizar tanto as crianças, quanto aos seus pais, que só de perceber que estão sendo ouvidos, já entram em colapso", acrescenta sua colega Ana Alonso.
O estudo indica que, além de intervenções educativas, nutricionais e médicas, se a saúde da mente de quem cuida das crianças também não for atendida, as sequelas podem persistir. Algo que a especialista da Unicef ​​concorda: "As intervenções devem promover o bem-estar psicossocial dos cuidadores para que possam proporcionar aos pequenos uma sensação de segurança, estabilidade e normalidade, ajudando a restaurar ou manter o processo de desenvolvimento".

A recomendação dos pesquisadores é a integração de seus tratamentos psicológicos em qualquer programa de proteção à criança, que ocorra em um contexto humanitário. Estas conclusões estão ligadas a outros estudos anteriores, como o realizado, em 2015, no campo de Kunama, na Etiópia. "Quando o sistema nervoso está estressado em um nível muito alto, conhecido como estresse tóxico, ele reduz a capacidade do cérebro de regular o crescimento e a capacidade cognitiva", acrescenta Hijazi. A referência em saúde da mente e psiquiatria do Médicos Sem Fronteiras, Cristina Carreño, lista os sintomas que foram encontrados em adolescentes e crianças: "Muitos são psicossomáticos: dores de barriga, problemas de pele, alguns até mesmo fazem xixi na cama, o que para eles é vergonhoso, pois não entendem porque aquilo acontece ... Até mesmo casos de tentativas de suicídio ".

O cuidado psicológico em contextos humanitários, ganhou relevância principalmente na última década, embora existam iniciativas desde os anos oitenta. No entanto, a presença de psicólogos ainda não é entendida como prioridade nesse contexto. "É uma questão incompreendida que continua a ser insuficientemente financiada. Precisamos de um maior investimento em saúde da  mente e apoio psicossocial em todas as fases da vida, especialmente para crianças e jovens afetados por conflitos armados", ressalta o especialista da UNICEF.

É necessário levar em conta questões básicas como que nestas condições, os pacientes não podem seguir um tratamento contínuo, o que leva a intervenções de sessão única, por exemplo. Carreño ressalta que um dos grupos historicamente mais esquecidos é o adolescente, uma tendência que está mudando: "O ideal é combinar sessões individuais com eles e outras com familiares ou cuidadores. Organizamos, também, outros encontros entre os pais para que eles tenham a oportunidade de falar uns com os outros, e, ainda, treinamos e acompanhamos os professores ".


"A saúde da mente sequer tem traduções em muitas línguas"

O idioma pode ser uma barreira na hora de tratar a saúde da mente dos refugiados. "Os conceitos de saúde da mente são difíceis de traduzir nas línguas Dinka e Nuer, especialmente no que diz respeito aos sintomas psicossomáticos", aponta o estudo. O especialista da Unicef, Zeinab Hijazi, conta uma das suas experiências no campo: "Isso me faz lembrar de um estudo que realizamos com refugiados iraquianos há alguns anos na Jordânia, que usavam termos como "cansado psicologicamente”, “sem esperança”, já as crianças diziam "infelizes" e os jovens falavam em "inutilidade" e "tédio. De fato,  os termos técnicos não são importantes." A especialista do Médicos Sem Fronteiras, Cristina Carreño, completa: "Nós trabalhamos com uma equipe internacional e local, pois entender a cultura, a língua, tradições e crenças, tornam as intervenções mais eficazes. Em algumas línguas, a saúde da mente não tem tradução clara e, em outras, traduzem diretamente como "loucura". A psiquiatra do MSF aponta três pontos-chave nestes tipos de programas: compreender bem o contexto em que estas pessoas vivem, aprender as tradições, por exemplo, como enfrentam a despedida de um ente querido, e, também, saber que cada paciente necessita de um tratamento específico .


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Artigo originalmente publicado no El País, livremente traduzido e adaptado por Mariana França.