A saúde da mente é uma questão coletiva e não apenas individual: o papel das empresas
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Falar sobre saúde da mente é falar de subjetividade.
Em minha experiência nas áreas de RH e Desenvolvimento Organizacional, participei de discussões em que a falta de objetividade das informações era o principal argumento para desconsiderar o que é próprio do subjetivo.
A ênfase na objetividade, ainda que esta seja imprescindível, resultou não somente em um significativo afastamento do subjetivo, como também em preconceito, na forma de desconfiança, ao associar a realidade subjetiva ao que deve ser evitado em avaliações consistentes.
A dificuldade de se criar métricas, somada à convicção de que alguns sinais do mal-estar na organização são questões isoladas, têm justificado a falta de prontidão para empreender inovações no sentido de tornar o subjetivo em dados objetivos para ultrapassar a unilateralidade limitadora que insiste em tomar uma parte como reflexo do Todo.
Estamos familiarizados com os diversos relacionamentos estabelecidos pelas empresas, por exemplo, da empresa com seus clientes/consumidores, com seus colaboradores, fornecedores, sociedade. A identidade de uma organização decorre do conjunto de relacionamentos que ela estabelece.
Retomando a imagem da empresa como um Todo, cuja identidade é formada por elementos articulados, acredito que as conexões dos elementos com o Todo afetam o Todo, que por sua vez afeta os elementos que o formam. É justamente essa visão sistêmica que me leva à convicção de que a saúde da mente nas empresas representa um de seus alicerces que sustentam a realização de objetivos estratégicos, a entrega da proposta de valor e a preservação de identidade corporativa.
Toda organização tem condições de produzir conhecimento sobre a saúde mental, coletiva e individual, com base nas diferentes informações sobre pessoas. Agindo de forma intencional e prospectiva, o grupo decisor tem condições de tornar objetivo o que se insinua por trás da penumbra da subjetividade.
Inteligência de dados pode ser desenvolvida e colocada à disposição do interesse e coragem em agir. Me refiro à coragem por estar ciente da necessária disposição para formular e testar hipóteses, empreender inovações nos sistemas e valores priorizados na atração, retenção, expressos no investimento em crescimento profissional e nas promoções.
Ao analisar criticamente os impactos na relação empresa-colaboradores, exercidos pelos componentes de sua cultura, as instâncias da governança podem definir objetivos estratégicos orientados à promoção e preservação da saúde mental de seu pessoal.
Na perspectiva dos indivíduos, ainda que as questões de poder na relação empresa - colaboradores não sejam estabelecidas de forma igualitária, está ao alcance destes apontar o que é ou não é razoável e o que precisa ser transformado em favor de relacionamentos equilibrados essenciais à saúde da mente.
Vale refletir que não apenas a preocupação em manter o emprego, como também a identificação com um padrão de sucesso, o interesse em acumular mais e mais experiências, conhecimento e novos desafios, geram uma atração que vai nos distanciando da capacidade de ponderação e de reconhecer limites.
“Seguimos motivados por atender às expectativas de desempenho, sustentar conquistas, alcançar reconhecimento, superar metas sem atentar para o custo na saúde física, emocional e espiritual. Enfim, não faltam justificativas para adiar o momento de se ocupar dessas questões. ”
O mundo do trabalho representa um campo existencial riquíssimo, com isso, as organizações, por meio das relações de trabalho, têm a oportunidade de sustentar vínculos em parâmetros que promovam interesses mútuos de prosperidade e saúde integral, e quem sabe possam usar a força de influência de suas marcas para inspirar mudanças para além de seu contexto organizacional. Afinal, saúde mental é um patrimônio individual e coletivo.
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Marcia Moura
Psicóloga, curiosa por diferentes saberes e perspectivas, tem dificuldade de responder sucintamente à pergunta “o que você faz?”. Interessada por pessoas, que são um mundo que se revela a cada encontro e transformam a quem se deixa afetar. Gosta de pensar junto, criar e realizar junto, de ser par, ser parte. Há muito se dedica a cultivar sementes, sempre com a convicção de que irão, cada uma a seu tempo e no tempo possível, viver e expressar sua singularidade.
Existem histórias que começam antes mesmo do primeiro encontro. Histórias que se escrevem nas faltas, nos vazios, nas tentativas de se reconstruir depois do amor que não deu certo. Estar à Procura é sobre isso: relatos de quem, de uma maneira ou de outra, busca aquela parte que está faltando — e tenta preencher o vazio que machuca.