Buscar ajuda não é fraqueza

Dak Prescott do time de futebol americano Dallas Cowboys falou sobre seu distúrbio psicológico e foi questionado. Dra. Calhoun diz que sua coragem deve ser elogiada e não criticada.

Foto: Sandro Schuh / Unsplash

Foto: Sandro Schuh / Unsplash

“Eu sou forte, não preciso de sua ajuda. Só quero ir para casa. Eu estou bem...” eu me sentei perto do meu novo paciente, que tinha acabado de ser recebido no hospital após uma tentativa de suicídio. Seus olhos castanhos escuro evitavam meu olhar preocupado enquanto ele desenrolava suas mangas, escondendo o sangue fresco em seus pulsos. Ele estava longe de estar bem.  

“Eu não tenho dúvida que você é forte” eu disse.

Como uma residente de psiquiatria, eu passei tanto tempo - talvez mais - convencendo as pessoas que o tratamento da saúde mental não se iguala à fraqueza ou uma falha social, quanto no próprio tratamento psiquiátrico.

O estigma que abrange os distúrbios psiquiátricos é de longa data e está enraizada na sociedade, desde histórias absurdas contadas nas comunidades até representações incorretas sobre doenças mentais na mídia.

De fato, personagens de televisão que sofrem destes distúrbios são pouco representados, comprovado com um estudo recente, menos de 2% de personagens de filmes e menos de 10% dos de programas de televisão têm algum transtorno psiquiátrico.¹ Personagens com esse tipo de enfermidade são frequentemente enquadrados no estigma citado anteriormente, associados a adjetivos pejorativos como “louco” ou “maluco”.1 Assim sendo, meu trabalho se torna mais difícil ao ter que explicar aos pacientes que o tratamento deve ser visto como qualquer outro tratamento médico. De acordo com a mídia, e até entre atuantes na área da saúde e estudantes2-4, os distúrbios são diferentes - de uma maneira ruim.

Por essa razão, eu estava decepcionada, contanto não estava surpresa ao ler a fala de Skip Bayless sobre Dak Prescott, o “quarterback” do time de futebol americano Dallas Cowboys.

Dak corajosamente revelou sua luta contra a ansiedade e a depressão durante o período de quarentena e após o suicídio de seu irmão e inspiração para o futebol americano.
Foto: Instagram Dak Prescott @_4dak

Foto: Instagram Dak Prescott @_4dak

No programa “Undisputed” da FOX Sports, Bayless questionou a habilidade de Prescott como líder após saber de sua situação mental. Não só foi um comentário insensível, como foi incorreto. Na verdade, a decisão do jogador ao discutir sobre tal assunto tem impacto positivo, resultando em pessoa procurarem ajuda, por conta da fala dele. Mais de 7% dos americanos já sofreram de sérios episódios depressivos, e mais de um terço desses, não recebeu algum tipo de tratamento relacionado.5 A autorrevelação de tais situações é uma ótima forma de desabafar e já constou reduzir a estipulação de rótulos, pelo contrário, mostrou ajudar a normalização de doenças mentais, aumenta a educação e conscientização, inspira outros a procurar ajuda de profissionais e encoraja a defesa contra o rotulo criado.6-8 

O comentário feito por Bayless ilustra ainda mais a noção errada de que um líder de um time não pode ter distúrbios como os de Dak, o que é longe da realidade. Uma meta-análise mostrou que indivíduos que lideram grupos masculinos são menos prováveis de buscar terapia10, e necessita de mudança.

O jogador, Dak Prescott, explicou perfeitamente como esconder um problema é ser um “falso líder”, e a sua fala se junta as de Dwayne Johnson, The Rock, Kevin Love e Michael Phelps encorajando pessoas para recorrer a tratamentos.

Além disso, como um homem preto e mexicano-americano, Prescott representa dois grupos oprimidos e serve como uma forte voz para essas comunidades. Negros e latinos são duas populações que sabemos que enfrentam problemas ao procurar tratamento mental.11,12 Para os latinos, as barreiras linguísticas tanto quanto a condição legal tem um papel no conforto para essa busca.11 Latinos e negros ou personagens não saudáveis mentalmente são extremamente pouco representados na mídia comparado com brancos.1 Felizmente, celebridades como Ariana Grande, Taraji Henson e Jada Pinkett estão em meio a celebridades dessas comunidades que tomaram um papel tentando normalizar doenças da mente em comunidades negras e latinas.

Para americanos negros, tem ainda mais história. Somado ao estigma, até quando eles procuram por ajuda, não podem começar com tratamentos dentro do sistema. Isso se dá por conta inúmeros problemas, incluindo o fato de que pacientes negros são menos prováveis a receber a mesma qualidade de tratamento comparado a pacientes brancos, o racismo por maioria dos praticantes da área de saúde da mente e uma justificada falta de confiança no sistema de saúde.13,14

A psiquiatria em si tem história usando distúrbios mentais para desumanizar americanos negros.

Foi dito que escravos africanos ao fugirem de seus donos sofriam de uma condição conhecida como drapetomania.15 Benjamin Rush, conhecido como ‘pai da psiquiatria’, acreditava que ser negro era um distúrbio chamado de “negritude”.16 Durante o movimento de direitos civis, haloperidol era vendido como medicação para “psicose de protesto”, com um anuncio desenhado de um homem negro expressando raiva, querendo reprimir os protestos de negros pelos seus direitos básicos.17 Hoje em dia, desigualdade em tratamentos psiquiátricos continua existindo. Pacientes negros são mais prováveis  de serem diagnosticados com distúrbios psicóticos, como esquizofrenia, comparando aos pacientes brancos com apresentações similares18, e acredita-se que crianças negras são super diagnosticadas a terem desordem desafiante relativa à oposição (ODD).19 Visto que essas crianças, ao redor de seus cinco anos de idade, são mais esperadas a serem vistas sendo agressivas comparando com seus pares brancos, isso não é de se surpreender surpreendente.20

Todos esses fatores funcionam contra indivíduos que procuram ajuda profissional e contra a normalização de doenças mentais. É crucial que continuemos dando grandes audiências para essas poderosas vozes como Dak Prescott. Sua voz pode muito bem fazer a diferença entre alguém que esteja buscando tratamento ou não. Sua voz pode salvar uma vida.



Autora do artigo Dra. Calhoun está em seu segundo ano de residência em psiquiatria na universidade de medicina de Yale/Centro de estudo infantil de Yale no programa integrado Adulto/Criança Albert J. Solnit. Os centros de pesquisa de Dra. Calhoun estão escalando em resultados com alvo nos traumas devido o racismo. Ela se intitula uma “ativista trainee” e expõe o racismo atual e histórico do sistema de saúde, por declarações públicas, tanto faladas quanto escritas. Ela acredita firmemente que todos os médicos deviam ser ativistas e promove integração de ensinar justiça social junto a educação medicinal.

 

 

Referências:  

1. Smith SL, Choueiti M, Choi A, et al. Mental health conditions in film & TV: portrayals that dehumanize and trivialize characters. USC Annenberg Inclusion Initiative, American Foundation for Suicide Prevention, and the David and Lura Lovell Foundation. 2019. Accessed September 20, 2020. http://assets.uscannenberg.org/docs/aii-study-mental-health-media_052019.pdf

2. Martin A, Chilton J, Gothelf D, et al. Physician self-disclosure of lived experience improves mental health attitudes among medical students: a randomized study. J Med Educ Curric Dev. 2019;7:1-10.

3. Mehta SS, Edwards ML. Suffering in silence: mental health stigma and physicians’ licensing fears. Am J Psychiatry. 2018;13(11):2-4.

4. Martin A, Krause R, Chilton J, et al. Attitudes to psychiatry and to mental illness among nursing students: adaptation and use of two validated instruments in preclinical education. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2020;27:308-317.

5. National Institute of Mental Health. Major depression. Accessed September 20, 2020. https://www.nimh.nih.gov/health/statistics/major-depression.shtml

6. Gray JB. The power of storytelling: using the narrative in the healthcare context. J Commun Healthc. 2009;2(3):258-73.

7. Beck CS, Aubuchon SM, McKenna TP, et al. Blurring personal health and public priorities: an analysis of celebrity health narratives in the public sphere. Health Comun. 2014;29(3):244-56.

8. Wong NCH, Lookadoo KL, Nisbett GS. “I’m Demi and I have bipolar disorder”: effect of parasocial contact on reducing stigma toward people with bipolar disorder. Commun Stud. 2017;68(3).

9. Calhoun AJ, Gold JA. “I feel like I know them”: the positive effect of celebrity self-disclosure of mental illness. Acad Psychiatry. 2020;44(2):237-241.

10. Wong YJ, Ho MR, Wang SY, et al. Meta-analyses of the relationship between conformity to masculine norms and mental health-related outcomes. J Couns Psychol. 2017;64(1):80-93.

11. National Alliance on Mental Illness. Latinx/Hispanic. 2019. Accessed September 20, 2020. https://www.nami.org/Your-Journey/Identity-and-Cultural-Dimensions/Latinx-Hispanic

12. National Alliance on Mental Illness. African American Mental Health. 2019. Accessed on September 20, 2020. https://www.nami.org/find-support/diverse-communities/african-americans

13. American Psychiatric Association. Mental health disparities: African Americans. 2017. Accessed May 1, 2019. https://www.psychiatry.org/psychiatrists/cultural-competency/education/mental-health-facts

14. McGuire T and Miranda J. Racial and ethnic disparities in mental health care: evidence and policy implications. Health Aff (Millwood). 2008; 27(2): 393-403.

15. Bynum B. Drapetomania. Lancet. 2000;356(9241):1615.

16. Jackson, Vanessa. In Our Own Voices: African American Stories of Oppression, Survival and Recovery in the Mental Health System. Race, Health Care and the Law. Posted online April 28, 2015. Accessed October 1, 2020. http://academic.udayton.edu/health/01status/mental01.htm

17. Metzl J. The protest psychosis: how schizophrenia became a black disease. Beacon Press; 2011.

18. Schwartz RC, Blankenship DM. Racial disparities in psychotic disorder diagnosis: a review of empirical literature. World J Psychiatry. 2014;4(4):133-140.

19. Ballentine KL. Understanding racial differences in diagnosing ODD versus ADHD using critical race theory. Fam Soc. 2019;100(3):282-292.

20. Todd AR, Thiem KC, Neel R. Does seeing faces of young Black boys facilitate the identification of threatening stimuli? 2016;27(3):384-393.


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Artigo originalmente publicado no site Psychiatric Times,  livremente traduzido e adaptado pela voluntário Ricardo Reis Silva.