Uma breve introdução à comunicação não violenta

A “comunicação não violenta” é um processo sistematizado pelo psicólogo norte-americano Marshall Bertram Rosenberg, que propõe um modelo de pensamento e comunicação eficaz, utilizando-se, especialmente, da empatia. É possível encontrar referências à prática da comunicação não violenta com outras nomenclaturas também, tais como “comunicação autêntica”, “comunicação compassiva” ou “comunicação empática”.

Foto: Freepik

Foto: Freepik

Por meio da prática da comunicação não violenta percebemos que nossa fala reflete nossos pensamentos e impressões sobre o que nos cerca e, por consequência, define o mundo em que vivemos; conseguimos compreender o impacto de nossa fala em nossas vidas e nas vidas dos outros. Claro que a fala é um dos principais, se não o principal, meio de comunicação utilizado na sociedade moderna; contudo, não precisamos nos ater a ela somente. Todo o nosso corpo “fala”, expressões faciais, gestos e ações, todos esses, entre outros, são meios de comunicação – inclusive o silêncio. Por isso, é importante estar aberto e atento para uma ampla gama de informações que todo o nosso corpo, mente e comportamentos (especialmente os inconscientes) nos oferecem.

A prática da comunicação não violenta propõe uma mudança de paradigma de modelo de pensamento, isto é, sair do padrão de reação inconsciente ao que nos acontece para observar a situação, sentir como tal situação nos afeta, avaliar de onde surge esse sentimento e o que podemos fazer para tornar nossa vida melhor, e a do outro também. Para isso, precisamos estar abertos a todos os sentimentos que surgem e pulsam dentro de nós, sejam eles “negativos” ou “positivos”; na prática de comunicação não violenta costuma-se dizer “sentimentos que geram desconforto” e “sentimentos que geram conforto”, respectivamente, de forma a afastar um possível julgamento de que determinados sentimentos sejam errados ou ruins. Acolhemos o sentir, seja ele qual for.

Na minha jornada até agora, vejo esse como um dos grandes e mais importantes aprendizados que Marshall me presenteou, o direito de sentir!

É maravilhoso olhar para os nossos sentimentos sem o peso do julgamento de certo ou errado, acolher a humanidade de cada indivíduo, entender que a vida é como as estações climáticas, tem dias que estamos radiantes, cheios de energia e alegria, como um dia quente de verão, e que há dias que nos sentimos mais introspectivos e silenciosos, como um dia frio de inverno que convida os ursos à hibernação – e está tudo bem! Não há por que reprimir qualquer sentimento, todos eles são humanos, todos eles contam um pedaço de nossa história e nos trazem importantes informações sobre como os acontecimentos da vida nos afetam. Basta aprendermos a identificar essas informações e traduzi-las em possíveis ações para tornar nossa vida melhor! Na comunicação não violenta chamamos essas informações de “necessidades” e as ações que podemos adotar para tornar nossa vida melhor de “estratégias”.

A comunicação não violenta nos ensina que há necessidades universais compartilhadas por todos os seres humanos. Claro que cada indivíduo tratará com maior ou menor prioridade determinada necessidade, com base em sua experiência de vida, idade, cultura, entre outros fatores. O importante é compreender que, nas palavras de Marshall, “tudo o que fazemos é para atender às nossas necessidades... quando adotamos esse conceito para compreender os outros, percebemos que não temos inimigos e que o que os outros nos fazem decorre do que julgam ser a melhor forma possível de atender às necessidades deles”.

A partir desse princípio básico, a comunicação não violenta nos convida ao exercício da consciência sobre nossas reações ao que nos acontece. Ou seja, quando alguém faz algo que nos deixa tristes, ao invés de partirmos para a reação inconsciente e convencional de reclamar, brigar, entre outras atitudes rotineiras que praticamos e vemos por aí, a comunicação não violenta propõe que a gente observe os fatos, sem julgamento sobre certo e errado, perceba os sentimentos que surgem dentro de nós a partir de tais fatos, novamente sem julgamento sobre certo e errado, e identifique que necessidade eu tenho e não foi atendida a partir do comportamento daquela pessoa. Um exemplo prático: minha chefe não me deu nenhum feedback sobre o trabalho que entreguei – no modelo convencional, eu poderia partir para o julgamento de que minha chefe é uma carrasca, não gosta de mim, sou incompetente, enfim, diversos julgamentos sem qualquer fundamento concreto, que não aliviam minha tristeza e podem fazer surgir diversos outros sentimentos como frustração, entre outros, aumentando aquela bola de neve de sentimentos reprimidos que falamos no artigo anterior, bem como gerar desconexão entre nós duas. Já a partir da prática da comunicação não violenta, eu consigo observar que a falta de um feedback fez com que eu me sentisse triste, pois minha necessidade de reconhecimento pelo esforço que fiz para entregar um bom trabalho não foi atendida. Perceba que no segundo modelo de pensamento não há julgamento da outra pessoa (“minha chefe não gosta de mim”) nem sobre mim mesma (“não sou boa o suficiente”), mas sim a observação do fato (“falta do feedback”) e a identificação de como isso me afeta (sentimentos e necessidades vivos dentro de mim e que me geram desconforto). A partir dessas informações, posso elaborar uma estratégia para atender essa minha necessidade - no nosso exemplo poderia ser pedir a minha chefe sua opinião sobre o trabalho entregue. 

A beleza da comunicação não violenta está no afastamento do julgamento inconsciente que nos aprisiona e gera cada vez mais desconforto e desconexão e na transformação de uma situação em autoconhecimento, abertura ao diálogo e busca pela conexão. Não há repressão a qualquer sentimento, mas sim o seu acolhimento, a permissão do sentir e a compreensão do que um sentimento, confortável ou desconfortável, quer me “dizer”. Faz com que se exercite a criatividade para encontrar uma estratégia que atenda às nossas necessidades de forma que nossa vida se torne melhor.

A comunicação não violenta não tenta eliminar conflitos nem, tampouco, é uma ferramenta de manipulação do outro para conseguir o que queremos do jeito que queremos; ela apenas propõe meios de resolvermos os conflitos de forma pacífica, oferecendo-nos um caminho para que possamos vivenciar nossa humanidade em toda sua plenitude e honrar a humanidade do outro, também em sua plenitude.

Assim Marshall ensina: o “intuito é o de criar uma qualidade de conexão consigo e com os outros que favoreça ações compassivas. Nesse sentido, é uma prática espiritual: todas as ações decorrem unicamente do propósito de desejar contribuir para o próprio bem-estar e o dos outros”. Ou seja, o objetivo é buscar alternativas que tornem a vida de todos mais maravilhosa!

Vejo a comunicação não violenta principalmente como um caminho de autodescoberta, pois não estamos acostumados com esse modelo de pensamento, nem a olhar para nossos sentimentos e necessidades; e, por consequência, um caminho de libertação, liberdade de sentir e permitir que o outro sinta. É quase que uma contracultura, pois tanto diverge do modelo convencional de educação a que a maioria de nós está submetida. Que assim seja!

Para viver num mundo de paz, é preciso pacificar as relações humanas e somente permitindo-nos vivenciar nossa humanidade de forma plena é que conquistaremos esse objetivo.

Esse texto, como seu próprio título sugere, não pretende esgotar o tema, nem teria como, ainda que eu quisesse. É, tão somente, é uma breve introdução a um mundo novo, um novo paradigma, uma nova cultura, por que não. Trago reflexões e provocações para estimular a que mais pessoas se juntem nessa tribo que sonha com um mundo de paz, com relações humanas mais profundas e conexões genuínas, mas que, além de sonhar, se permite sentir as dores e alegrias de expor a própria vulnerabilidade e de não se conformar com o que está dado, se permite querer transformar e ser um agente ativo dessa transformação.



Referência bibliográfica:

ROSENBERG, Marshall. A linguagem da paz em um mundo de conflitos. São Paulo: Palas Athena, 2019.


***

Debora Andrade

Aprendiz da vida, em constante (des/re)construção, praticante de yoga, meditação e trekking, energizada pela natureza, interessada em temas relacionados ao autoconhecimento, gestão das emoções, relacionamentos interpessoais e integração do ser humano com a natureza. Multiplicadora da Comunicação Não Violenta e mediadora de conflitos com ênfase em mediação familiar. Dedico-me a projetos que envolvam a construção de conexões humanas por meio da CNV, da mediação de conflitos e outras práticas que estimulem a autoconexão.