Homens que choram

A campanha Novembro Azul vem nos lembrar da importância do cuidado à saúde física dos homens, estimulando maior atenção ao diagnóstico e tratamento precoce do câncer mais prevalente neste grupo, o câncer de próstata. 

Já pararam pra pensar quais são os maiores obstáculos para esse diagnóstico precoce? 

Muitas vezes não é a dificuldade de acesso a um serviço de saúde, ou pouco dinheiro ou falta de tempo: em vários casos ainda enfrentamos o preconceito, a vergonha, o medo, a angústia e o machismo relacionados ao toque retal, a forma mais simples e rápida para o início do diagnóstico do câncer de próstata. Em outras palavras, muitos homens ainda preferem a dúvida em relação a sua saúde física e deixar um tumor se instalar do que “correr o risco” de ter sua masculinidade questionada, podendo perder suas qualidades de “MACHO”, que ele acredita precisar provar sempre a sociedade para manter-se valorizado. Mas porque isso ainda acontece? Como podemos mudar este cenário?

Foto: Amin Moshrefi/ Unsplash

É a partir deste tema angustiante que gostaria de falar sobre a importância da saúde mental do homem. 

Há muitos anos o mundo, de forma geral, entende que o homem precisa manter uma postura rígida, fria, racional, não-emotiva, às vezes agressiva e violenta, para desempenhar o seu papel.

Ou seja, mudando essas características, perderia sua função social, correndo o risco de ser marginalizado. Isso parte muitas vezes do próprio homem, mas infelizmente também parte da sociedade. É comum ouvirmos coisas do tipo “seja homem!” em situações que estes estão demonstrando suas fragilidades e emoções, ou ainda “pare de chorar feito uma garotinha!”, como se o ato de chorar não fosse compatível com o funcionamento normal de um garoto ou de um homem. Lembro de um filme que traz o tema em seu título para abordar a questão: “Meninos não choram” (original: “Boys don't cry - 1999). 

E o que meninos e homens ganham com esses pensamentos que ainda correm soltos no nosso dia-a-dia? Ganham incompreensão, estresse, acúmulo de angústias, sobrecarga, raiva, falta de tratamento e suporte, entre outros sofrimentos. Além disso, a cultura de que o homem é o provedor da renda, chefe de família, o coloca numa posição de impossibilidade de adoecimento. Caso isso ocorra poderá ser o seu fim e de sua família. Dessa forma, evita compartilhar seus sentimentos e sensações desagradáveis para transmitir uma imagem de saúde e bem-estar, garantindo sua posição. A dificuldade em falar sobre esses assuntos e buscar ajuda leva o homem a maior isolamento e declínio funcional, corroborando ainda mais para uma busca insuficiente aos serviços de saúde física e mental. Isso leva ao aumento de transtornos mentais, doenças físicas, limitações e incapacidades entre os homens e para toda a sociedade.

O uso abusivo de substâncias químicas como álcool, tabaco, maconha e cocaína, que muitas vezes se desenvolve para buscar alívio de todas essas pressões e sofrimentos guardados e acumulados, é um exemplo disso, observado em maior proporção no sexo masculino. Vale ressaltar que o uso abusivo de substâncias químicas pode ainda desencadear e/ou agravar transtornos mentais como depressão, ansiedade, esquizofrenia entre outros. 

Também é preocupante observar que apesar das mulheres terem maior prevalência de transtornos depressivos, a principal causa de suicídio (final catastrófico para diversos transtornos mentais e outras situações contemporâneas), são os homens que, em aproximadamente 3 vezes mais, cometem suicídio. Isso nos faz pensar que os homens estão sendo subdiagnosticados e/ou subtratados, exatamente por não buscarem ajuda, não dividirem suas angústias e isolarem-se, sustentados pela ideia ultrapassada de que falar sobre o tema o levaria a sua “morte social”. 

Precisamos repensar a forma que enxergamos o homem e sua função atual na sociedade. Criar campanhas e políticas incentivando-o a explorar suas emoções e sentimentos, a aceitar suas vulnerabilidades e fraquezas e a compartilhar suas dores e angústias. Este parece ser um bom caminho para favorecer o homem na busca de maior autoconhecimento e no fortalecimento da posição de “poder” pedir ajuda e assim alcançar uma melhor saúde física e mental, para ele e para sua comunidade. 

Voltando ao nosso Novembro Azul, a mensagem é perceber que o exame de próstata significa cuidado consigo e com os que ama, não mais uma afronta a sua “posição masculina”. Isso sim é se tornar homem! E depois que isso acontece, não se desfaz mais com um toque retal...


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Dr Ricardo Jonathan Feldman

Psiquiatra no Centro Feldman de Saúde, fundada em 2012, no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), no Residencial Israelita Albert Einstein e professor na Pós-Graduação de Psiquiatria do HIAE, atua no diagnóstico, tratamento e ensino dos diversos transtornos psiquiátricos, focando na melhora da qualidade de vida, da sensação de bem-estar e do equilíbrio físico, mental, social e espiritual.