A Reabilitação Psicossocial:  Um olhar humanizado para os cuidados em Saúde da Mente

Segundo consta no site “Portal Educação”, no Brasil, desde a metade do século 19, os doentes mentais sempre foram excluídos da sociedade, sendo internados em hospitais psiquiátricos por longos períodos. Tais hospitais foram construídos em grandes centros urbanos, fazendo com que grandes áreas ficassem desassistidas de qualquer tipo de atendimento em saúde mental. 

Foto: Christopher Ott / Unsplash

Foto: Christopher Ott / Unsplash

A partir do movimento chamado de antipsiquiatria, iniciado na década de 60 por Franco Basaglia (na Itália),  começou-se a pensar na mudança deste cenário e resultou no desenvolvimento do movimento de reforma psiquiátrica nos países ocidentais. E posteriormente, dando origem ao movimento global da luta antimanicomial.

Esse movimento europeu acabou por influenciar a psiquiatria brasileira. Na década de 70, surgem experiências de substituição do atendimento hospitalar. Novas políticas de saúde surgem com a criação do SUS (Sistema Único de Saúde), a partir da Constituição de 1988. E uma nova política de saúde mental é definida, em continuidade aos primeiros movimentos da psiquiatria comunitária, surgida na década anterior.

Assim, “havia essa necessidade de se elaborar um conjunto de formas de atendimento em saúde mental que seriam aplicadas nos serviços substitutivos que vinham surgindo com o desmantelamento dos manicômios” (SANTOS, 2008).

Em 1990, o governo brasileiro passa a seguir as recomendações da OPAS (Organização Panamericana de Saúde), contida na Carta de Caracas, no sentido de ir substituindo os leitos hospitalares por serviços substitutivos criados na comunidade. 

Os serviços substitutivos são assim chamados porque têm objetivo de desinstitucionalização dos pacientes psiquiátricos, de forma que recuperem a sua cidadania deixando de estar apartados da comunidade da qual pertencem. Nesse sentido, o foco deixa de ser “a doença mental” e passa a ser “saúde mental” (SANTOS, 2008).”

Somente em 2010, passou-se a incentivar a criação de serviços em saúde mental públicos e territorializados (território é a designação não apenas de uma área geográfica, mas das pessoas, das instituições, das redes e dos cenários nos quais se dão a vida comunitária), ao mesmo tempo em que se determina a implantação de critérios mínimos de adequação e humanização do parque hospitalar especializado.

Uma das formas que permitiu essa desinstitucionalização foi por meio de uma atividade ocupacional, um trabalho digno e valorizado. O trabalho então tem sido uma das maneiras de realizar alternativas de intervenção no processo de autonomia (ser governado por si próprio) e reabilitação dos usuários da saúde mental, buscando consolidar mudanças de qualidade da assistência psiquiátrica.

Pode-se afirmar que a oportunidade de trabalhar e ser remunerado por isso, faz com que a pessoa recupera a possibilidade de ampliar seus conhecimentos, suas reflexões, transformar suas ações ou modificá-las diante das necessidades, passando a ser reconhecida como capaz de produzir e estabelecer relações sociais.

O trabalho então desempenha duas funções: a primeira constitui a profissionalização em si; e a segunda atende as necessidades terapêuticas dos usuários. Possuindo então duas vertentes: a terapêutica e a profissionalizante. Além de criar um ambiente que estimula o processo de aprendizado (respeitando a potencialidade de cada indivíduo), a expressão da subjetividade e que desenvolva as relações interpessoais.

O processo de trabalho inicia-se no sujeito, com sua expectativa em relação à necessidade de ocupação e gratificação.

Esse desenvolvimento ocupacional, o olhar mais humanizado para seus sintomas, o envolvimento social e familiar, ajudam a reconstruir sua identidade social, pessoal e subjetiva. Melhorando sua qualidade de vida, que há tanto tempo foi abandonada, ou sequer valorizada.

Os indivíduos que estão em cuidados terapêuticos, começam a se reconectar com a sua comunicação interna, sua autonomia, o poder de escolher e de decidir. Além de permitir que entrem em contato com novas formas de viver e obtenham novos conhecimentos.

O trabalho, então, se coloca novamente como um direito para esse indivíduo, o qual foi tirado dele injustamente. E a ressignificação de sua independência, autonomia e reinserção social se tornam mais real. Um processo muito belo de aquisição do ser, de olhar para seus sintomas que lhe causaram tanto sofrimento, agora, permitindo sua transformação interna e crescimento digno.


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Camila Jacob

Graduada em psicologia pela PUC Campinas, há 16 anos. Especialista em Treinamento em Psicoterapia Breve Psicanalítica, pela Unicamp. Atuou por 10 anos, como Matriciadora de Saúde Mental na Rede Pública. E trabalha com Psicoterapia, há 16 anos, em consultório próprio.