Pais na Quarentena e a autocompaixão

Mamãe, Mamãe, Mamãe! É uma das palavras mais escutadas diariamente nessa quarentena. Nossos filhos estão presentes em cada momento, 24 horas por dia e nos exigem muito constantemente. Precisam de nós, nos chamam, nos procuram e sempre nos acham.

Foto:  Paige Cody / Unsplash

Foto:  Paige Cody / Unsplash

Estar em casa era o sonho de muitas mulheres que trabalhavam. Adorávamos a possibilidade de conciliar “sermos presentes” com trabalho home-office, poder incorporar o trabalho em nossas vidas e não transformar nossas vidas em trabalho. Os acontecimentos de Outubro* já tinham nos convidado a valorizar os momentos em família, chegar cedo em casa havia se tornado um costume e havíamos começado a reorganizar nossas metas de relacionamento este ano, mas em Março tudo mudou. Um vírus mortal e desconhecido tomou nossas vidas e nos obrigou a nos reinventarmos. Em menos de três semanas, aprendemos a nos comunicar à distância, a organizar nossas casas para continuar trabalhando, nossos filhos deixaram de ir à escola e começaram as aulas online. Tudo aconteceu muito rápido e tivemos que nos adaptar.

O medo rondava, mas disfarçado atrás da produtividade: “Tínhamos que fazer, não sentir”.

Enquanto os jornais noticiavam o aumento de casos e das medidas implementadas nacionalmente, as famílias sentiam a pressão. Não era um cenário fácil. A incerteza aumentava a insegurança. 

Começamos a sobreviver. Cada um tentou buscar o melhor de si, cursos de culinária, aulas de meditação, academia em casa, entre outras viraram programas do fim de semana. Toda a ação que pudesse diminuir a angústia e incerteza era necessária. Não obstante, cada um de nós começamos a sentir, de maneira silenciosa, as consequências dessa nova forma de vida. 

A vida não seria a mesma de antes, um duelo silencioso acontecia em nosso ânimo e formas de observar o que nos rodeava. Uma nova realidade se fazia presente. 

É neste momento que observando os meus filhos, ouvindo suas brigas constantes e sentindo que não vou aguentar, surge um conceito ancestral, mas que faz muito sentido atualmente: AUTOCOMPAIXÃO. 

A capacidade de se tratar com amabilidade, estando consciente de seus próprios defeitos ou aspectos negativos. Uma pessoa autocompassiva busca sua felicidade e seu bem-estar, aceitando plenamente suas limitações. 
— definição segundo Kristin Neff, psicóloga estadunidense

Todos estamos conhecendo uma nova forma de viver. Ninguém é expert neste momento. Estamos todos aprendendo, e apesar das milhões de informações que encontramos na internet - sobre como sobreviver a esta pandemia - trata-se de uma experiência única, nova, pessoal e ajustada à realidade de cada um. Vamos nos equivocar, nos angustiar, nos desorganizar, chorar, gritar e rir. Isto é normal, faz parte dessa nova forma de viver.

Nunca estiveram fechados por tanto tempo, nunca tinham deixado de ir ao colégio estando saudáveis, nunca haviam passado tanto tempo com os pais em casa antes.

Tudo mudou. Devemos nos permitir criar, provar e errar, mas sobretudo, devemos ser amáveis com nossos erros. Esta é uma grande oportunidade para aprender com nossos instintos, com o nosso sofrimento, conosco e com os outros, e acima de tudo descobrir o poder do afeto.

 

*Referência a uma série de protestos civis que começaram no Chile em outubro de 2019 e, atualmente, devido a pandemia estão em pausa.

***

Artigo originalmente publicado no site Santo Tomas (Chile) livremente traduzido e adaptado por Maira Cruz.