Uma visão psicanalítica da violência doméstica 

Não é de hoje que se testemunha (em muitas ocasiões na própria carne) repetidos episódios de tragédias familiar que causa espanto, revolta e conformismo. Casal que busca no outro uma completude inalcançada se enfeza e dramatiza na relação, pais com dificuldade em manter seus filhos dentro de suas idealizações passam não dar voz à suas crianças, filhos que se deparam com a falta de referência de como lidar com o prolongamento da vida de seus pais se percebem vivenciando o outro lado da moeda do amor, o ódio. Tantas outras maneiras de expor as variadas facetas da violência doméstica que largam mão do recurso da agressividade ao não se utilizar da fala, do discurso, da dialética. 

Foto: Noah Buscher / Unsplash

Foto: Noah Buscher / Unsplash

O pai da psicanálise, Sigmund Freud, vai dizer que no ser humano existe uma energia constante, fluida em que na etimologia da palavra agressividade significa o que põe pra frente e busca satisfação muito além da necessidade básica natural (por exemplo, é onde repetimos o nosso prato favorito e não apenas saciamos a fome). Sabe-se que para conviver em sociedade essa energia não pode se satisfazer por completo de forma indiscriminada e por isso concede parte dessa energia, entretanto, espera-se uma contrapartida desta perda, contrapartida esta que não existe porque só é possível a satisfação parcial e não há nada que levará o ser humano à completude e plenitude, pois sempre se quer querer mais. A agressividade humana é um fato que faz história. Mas onde pode se encontrar os limites? Esses limites pode ser localizado quanto ao posicionamento das parcerias amorosas. Pois buscar prazer na dor do outro, abuso de poder e menosprezar o par que se relaciona está mais para o lado da perversão do que na lógica do amor.

Nos tempos atuais as relações estão mais expostas, sem tantas barreiras moral e assim convive-se com novas formas de violência. Como lê o novo laço social, Jorge Forbes, narra a violência inusitada, violência gratuita de menina comportada que se coloca com fria e articulada assassina, de pai que encobre o assassinato de sua filha.

 Enfim, nessa nova forma de viver e se relacionar nem tudo pode ser dito ou explicado e muito menos justificado. É o que mostra o número crescente de separações durante a pandemia do Covid-19, não há discussão de relação (famosa DR) que dê conta das diferenças de um casal. Essa nova sociedade é múltipla, sem garantia, flexível, com vários padrões, ou seja, é incompleta e não há como dizê-la por inteiro porque há incessante criação que convoca a tomar decisões o tempo todo.  Os homens, salvo exceções, se veem mais seguros no mundo costumeiro e das certezas, e por sua vez, a mulher por não ter nada que defina o que é ser mulher de forma universal, desde sempre precisa se criar como única “A Mulher - no singular” para tanto ela se articula de maneira mais inventiva diante do inusitado, desse novo mundo. 

Visto que a sociedade ainda é mais ocupada pelo masculino, quando se funde esse novo mundo fora do comum, a mulher que já se utiliza da invenção para se dizer única e singular, possivelmente é interpretada como uma plataforma para enganchar reinvenções, como também, é vista como provocação que traz insegurança, violência e hostilidade. Vide acontecimentos como no escândalo da FOX, na política e dentro de quatro paredes, onde de forma paradoxal cresce o índice de feminicídio e misoginia.

A leitura psicanalítica sobre os episódio de violência doméstica visa privilegiar que mesmo o ser humano tendo em seu inconsciente agressividade latente é expressamente responsável pelos seus atos de forma consequente.

A leis jurídicas presta penitência até onde se interpreta o que é violência, a psicanálise presta consequência em sua radicalidade até o que está fora do alcance do que não se compreende por inteiro. Pois o que permite sair do “mal-dito” do laço amoroso é subjetivar esse vazio da diferença lançando mão não mais da moral mas da ética, assim como os artistas e cientistas primorosamente fazem. 

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Jéssica Magalhães 

Sempre foi curiosa quanto aos sentimento contraditório do ser humano e se questiona como que a partir dessa ambivalência as pessoas podem se beneficiar na vida. Psicóloga e psicanalista, membro do corpo de formação em psicanálise e do núcleo de reprodução assistida humana do Instituto de Psicanálise de São Paulo.